04 de Maio de 2009 - 18h:44

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O risco de a crise sufocar o empreendedorismo nas empresas

Por: Valor Econômico - Betania Tanure

Grandes empresas fizeram nos últimos anos um enorme esforço para mudar a sua forma tradicional de empresa autoritária. Sem dúvida, houve avanços importantes. Em algumas, a moda de "inverter a pirâmide" tornou-se realidade, reacendendo a chama criativa das pessoas que nelas trabalham. Todas as organizações que tiveram sucesso na formação dessa chama criaram um processo interno, e não periférico ou externo, de estímulo ao empreendedorismo Para isso, foi necessário realizar algumas mudanças fundamentais na sua estrutura, na sua cultura e em seus principais processos de gestão.

Por si só, as mudanças de estrutura da organização não bastam para transformar o comportamento das pessoas a ponto de possibilitar a inversão da pirâmide. Por mais óbvio que isso possa parecer, no entanto, vários dirigentes, acuados pela turbulência do momento, têm a ilusão de que essa ação basta. Pressionados pela necessidade de "garantir" resultados de curto prazo, os presidentes focam, acertadamente, a operação, mas boa parte deles "escorrega" na forma de fazer esse movimento. Quando os gestores se voltam para o dia-a-dia e novos controles são ativados, diminuindo claramente seu nível de alçada, fica evidente a redução de autonomia e o retorno a um passado recente no qual tinham função de implementadores, apenas, e seguiam burocraticamente os processos organizacionais internos em vez de aproveitar as oportunidades externas. Com o passar do tempo, o foco nos processos gerenciais absorve toda a energia da organização.

Hoje, muitas grandes e bem-sucedidas empresas, sentindo-se intimidadas diante da dinâmica do mercado, reforçam o modelo burocrático e, em direção a esse poço de areia movediça, afastam cada vez mais o modelo empreendedor que caracteriza as organizações vencedoras.

Mesmo em um momento de crise, as empresas fortemente concentradas no empreendedorismo dão autonomia ao pessoal da linha de frente e garantem o alinhamento das decisões através de outros mecanismos. O que baliza a conduta é a clareza da necessidade do negócio e os valores que a organização possui.

Nas companhias empreendedoras, algumas características-chave organizacionais estão presentes. Unidades pequenas e separadas tornam-se a base da construção da organização, com indicadores de desempenho mensuráveis e justos. O desempenho nessas unidades é obtido através de poucos sistemas de planejamento, simples e flexíveis, e de controle e alocação de recursos. O propósito estratégico é articulado com as necessidades de curto prazo, que serão operacionalizadas por normas organizacionais e padrões de desempenho claros. Há coragem para ir além da óbvia redução de custos, do controle de orçamentos e da melhoria de produtividade. Essas necessárias ações de racionalização são articuladas com a energia, ou mesmo a ousadia, suficiente para criar e aproveitar novas oportunidades na perspectiva do negócio e do crescimento das pessoas.

A lição é simples e universal: as organizações empreendedoras com desempenho corporativo superior sustentado têm como base a capacidade de administrar a tensão entre duas forças aparentemente contraditórias: a autonomia das pessoas, associada a rigoroso acompanhamento da performance e à melhoria permanente do desempenho operacional e da produtividade; e a racionalização constante das atividades para atender à necessidade de crescimento e expansão por meio da revitalização contínua da estratégia, da organização e das pessoas.

Não há novidade nenhuma em falar dessas diferentes necessidades. O problema é que a maioria dos dirigentes de empresa vê os processos de autonomia e controle, bem como o de racionalização e revitalização, como mutuamente excludentes. O controle e a racionalização normalmente são desagradáveis, ou seja, representam a parte "azeda" da gestão. Poucos gestores gostam de se sentir controlados, de fechar fábricas, vender negócios, demitir pessoas. Por outro lado, a autonomia e a revitalização são prazerosas, o lado "doce" da gestão. Quase todo dirigente adora exercer o seu grau de autonomia e decisão, sonha com o crescimento e desenvolvimento do negócio e das pessoas.

A maioria dos executivos opta por um ou outro caminho, o "azedo" ou o "doce". As empresas que conseguem a melhoria radical de desempenho veem esses dois caminhos como simbióticos, o que caracteriza o "agridoce" do modelo de gestão de uma organização empreendedora bem-sucedida. O gestor que não tem a coragem de reconstruir sua empresa segundo o modelo empreendedor "agridoce" talvez acabe deixando-a perdida, sem rumo -e, portanto, do lado errado do abismo que irá separá-la das organizações vencedoras, que de fato sairão fortalecidas deste momento de crise.

Betania Tanure é pesquisadora e professora da PUC Minas

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