02 de Janeiro de 2019 - 14h:11

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Crise persistente leva à disparada dos pedidos de recuperação judicial

Por José Roberto Camasmie Assad

Por: ConJur

A instabilidade econômica que assolou o país nos últimos anos impactou diretamente os resultados de todos os setores e levou os empresários a buscarem não só estratégias criativas para reinventar seus negócios, como também possibilidades jurídicas que lhes permitam superar a crise.

 

Assim, vislumbraram uma saída jurídica na recuperação judicial, na medida em que têm por objetivo, segundo o artigo 47, da Lei 11.101/2005, “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

 

A adoção da recuperação judicial agitou o mercado, até porque dela passaram a se valer empresários de todos os setores da economia, desde que cumprissem os requisitos legais para tanto.

 

A polêmica sobre essa adoção se instalou e vicejou, na doutrina e na jurisprudência, com os mais variados aspectos. Entre os temas que vêm suscitando discussão, está a recuperação judicial do produtor rural.

 

Debate conhecido se travou e ainda desperta acaloradas discussões quanto à demonstração do exercício regular da atividade empresarial pelo produtor rural. Parte da doutrina e da jurisprudência entendem necessário o registro deste empresário nas juntas comerciais, invocando os artigos 48 e 51, inciso V, da Lei 11.101/2005 e o artigo 967 do Código Civil. Os que discordam sustentam que o registro seria opcional, citando os artigos 966 e 971 do mesmo código.

 

A divergência permanece viva, por exemplo, no recurso especial 1686022-MT. Ao julgá-lo, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou proposta de se afetar a matéria ao rito dos recursos repetitivos alegando que, “embora de grande relevância para o país, esta Corte Superior não emitiu posicionamento fundamentado sobre o tema em destaque”, permanecendo a divergência sobre a natureza constitutiva do registro dos produtores rurais nas juntas comerciais.

 

Este ano, o assunto ganhou novos contornos, agregando-se à polêmica a impossibilidade de se incluírem na recuperação judicial créditos constituídos antes de o produtor rural se haver tornado empresário pelo registro de sua atividade nas juntas comerciais. Voltemos um passo para elucidar a questão.

 

A partir da divergência de entendimentos e, portanto, da exigência por diversos tribunais para que comprovassem o exercício regular de suas atividades há mais de dois anos, os produtores rurais passaram a providenciar seu registro em juntas comerciais antes de apresentar o pedido de recuperação judicial.

 

Na ótica dos produtores rurais, essa estratégia resolveria o impasse e lhes permitiria arrolar na recuperação judicial todos os créditos aos quais se obrigaram.

Contudo, submeter ao processo concursal os créditos constituídos antes do registro na junta comercial como empresário é afrontar o princípio constitucional da segurança jurídica.

Nesse caso, os créditos são abertos a produtores rurais pessoa física, que não ostentam a condição de empresário na forma da lei. Assim, a situação jurídica estabelecida à época da concessão do crédito veda ao produtor rural a possibilidade de requerer recuperação judicial. É dessa premissa que parte o credor ao conceder o crédito, ou seja, sua expectativa é a de que àquele devedor — não empresário, como exige a lei — é vedado o recurso à recuperação judicial.

 

Como destacam precedentes jurisprudenciais alinhados a esse entendimento, “ainda que tenha por corolário a preservação da empresa, a recuperação judicial não pode chegar ao extremo de desprestigiar a segurança jurídica das relações, nem de atentar contra a saúde patrimonial de outrem, máxime dos próprios credores”, até porque “jamais a recuperação de um pode resultar na derrocada do outro” (TJ-MT, PJE 1000028-41.2018.8.11.0000, Agr. Instr., Rel. Des. Serly Marcons Alves, 2/2/2018).

 

Em hipóteses como essa, não há como ignorar que o registro da condição de empresário é ato constitutivo que deve ser considerado para se aferir se o crédito constituído anteriormente deve ser reconhecido como extraconcursal.

 

No momento da concessão do crédito, o credor do produtor rural pessoa física não considera o risco de o devedor pedir recuperação judicial. Essa possibilidade não existe quando da abertura do crédito àquele que não é, segundo a letra da lei, empresário.

 

Na forma da lei, o empresário não existe quando se concede crédito ao produtor rural pessoa física e, nesses termos, não há atividade empresarial regular a preservar, nos moldes do quanto preceitua o artigo 47 da Lei 11.101/2005.

 

As relações jurídicas devem ser estáveis. O credor não pode ser surpreendido. Se, à época em que for negociado o crédito, o produtor rural pessoa física tiver o registro de empresário e estiver autorizado a pedir recuperação judicial, a análise de risco do credor será diferente da que ele faria se assim não fosse.

 

Ao conceder crédito a pessoas físicas consideradas não empresários, o credor tem a legítima expectativa de, na hipótese de inadimplemento, fazer valerem seus direitos, inclusive o de atingir o patrimônio do devedor em processo judicial. Solapar do credor esse direito implica surpresa, precursora da insegurança jurídica.

 

Afronta também o princípio constitucional da razoabilidade o argumento de se preservar a atividade do devedor às custas do credor. Não é razoável que se imponha ao credor um cenário novo, de instabilidade econômica ou jurídica, em que se permite ao devedor que mude as regras durante o jogo e liquide a partida em benefício próprio, independentemente das consequências que daí advenham.

 

A recuperação judicial é um tema apaixonante, que desperta inúmeras discussões, com fundamentos que sustentam os direitos postulados ora pelos devedores, ora pelos credores, mas, quer se siga numa ou noutra direção, o desfecho deve atender ao princípio da segurança jurídica.

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