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Por que os juros bancários para o consumidor caem menos que a Selic?

Defasagem da política monetária, rigidez do chamado spread bancário e inadimplência explicam porque taxas para empresas e consumidores recuaram em ritmo mais lento no ano em que juro básico atingiu mínima histórica.

G1



Ataxa básica de juros foi cortada pela décima vez seguida neste início de dezembro. De 14,25% em outubro de 2016, a Selic atingiu 7%, o menor nível dos últimos 20 anos. Nesse mesmo intervalo, os juros do cheque especial, uma das modalidades mais caras do mercado, também recuaram, mas proporcionalmente bem menos: de 328,5% para o patamar ainda proibitivo de 323,7% ao ano.

 

O descompasso ilustra a dinâmica que marcou o ciclo de mais de um ano de afrouxamento do juro básico. O custo dos empréstimos para empresas e consumidores começou a recuar de forma mais perceptível apenas na segunda metade de 2017 - e em ritmo bem mais lento que o da taxa definida pelo Banco Central.

 

As razões para isso vão desde a defasagem entre as decisões de política monetária e seu reflexo no crédito até a rigidez do spread - a diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a que cobram nos empréstimos -, que cedeu pouco no decorrer deste ano.

 

Depois da última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de 2017, divulgada nesta quinta-feira, a expectativa é que a Selic se mantenha no nível atual em 2018, dizem especialistas consultados pela BBC Brasil, cenário que abre espaço para que as taxas para pessoa física e jurídica recuem um pouco mais até 2019.

 

Já a diminuição significativa dos juros estruturalmente altos que colocaram o Brasil no topo dos rankings internacionais - dos quais são sintoma, por exemplo, as taxas acima de 100% cobradas no crédito pessoal - vão além da política monetária.

 

Mais lento que o esperado

 

A trajetória de queda dos juros para consumidores e empresas tem sido mais vagarosa do que antecipava no início do ano o economista Vitor Velho, que acompanha o segmento de crédito na LCA Consultores.

 

O corte da Selic reduziu o custo de captação das instituições financeiras - os bancos pagam mais barato para obter recursos e repassam parte dessa economia reduzindo as taxas -, mas não teve impacto significativo sobre o spread, ele justifica.

 

A taxa média total cobrada à pessoa física, por exemplo, recuou de 42,2% ao ano em janeiro para 34,2% em outubro (último dado disponível). A queda é significativa, mas ainda está 6,9 pontos percentuais acima da mínima histórica da série do Banco Central, de 27,3%, registrada em maio de 2013 - quando a Selic saía de um outro ciclo de afrouxamento, que a levou a 7,25% até março daquele ano.

 

Em paralelo, o spread na taxa média para pessoa física, por sua vez, diminuiu de 33,1 pontos para 27,6 pontos entre janeiro e outubro - tendo atingido 20 pontos em 2013. "O que chega ao consumidor vai sempre passar pelo spread bancário", ele destaca.

 

Risco de calote

 

A resistência da diferença entre os juros que o banco paga ao captar e a taxa que ele cobra ao oferecer empréstimos é reflexo, em parte, do nível relativamente elevado da inadimplência, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) Gabriel Madeira.
A lógica é que, quanto maior o risco de calote, maior o "prêmio" que os bancos vão embutir em suas taxas de juros.
Esse é um indicador que vem melhorando de forma lenta, pondera o economista, por uma característica da própria recessão, marcada pelo endividamento de famílias e empresas.

 

Os bancos também tendem a retrair a oferta de crédito, ele acrescenta, diante do cenário atual de desemprego alto, de recuperação fraca da economia e das dúvidas em relação às eleições de 2018. Tudo isso gera incerteza sobre a capacidade de pagamento dos brasileiros.

 

"As taxas funcionam como um ativo. Quanto maior a oferta, maior a concorrência - e os preços tendem a cair mais", ilustra Michael Viriato, professor do Insper.
Nesse sentido, afirma Velho, da LCA, a concentração que marca o setor bancário no Brasil - onde quatro instituições respondem por praticamente 75% do crédito - também é um obstáculo à queda mais expressiva dos juros.

 

Em quanto as taxas caíram?

 

Em outubro, o crédito pessoal estava 4,2 pontos percentuais mais barato do que no mesmo mês do ano passado, em 132% ao ano. Nesse período, o consignado recuou 3 pontos, para 26,6%, enquanto os juros médios para a aquisição de veículos diminuíram 3,3 pontos, para 22,5%.
Modalidade do chamado crédito direcionado, que é subsidiado, a taxa média do financiamento imobiliário diminuiu 2,1 pontos, para 8,6% ao ano.

 

A maior redução foi a do rotativo do cartão de crédito, a linha mais cara do mercado, que passou de 484% ao ano para 337,9%, queda patrocinada por uma mudança de regulamentação instituída em abril deste ano pelo Banco Central, que restringiu o pagamento mínimo das faturas e a consequente rolagem da dívida para o mês seguinte.

 

Já para as empresas, as modalidades que mais recuaram, conforme os dados da nota de Operações de Crédito do Sistema Financeiro publicada pelo BC, foram a antecipação de faturas de cartão de crédito e os descontos de duplicatas e recebíveis, que cederam 19,2 pontos e 14,5 pontos percentuais, nessa ordem, para 27% e 20,9% ao ano.

 

Dificuldade maior para empresas

 

Esses são produtos, aliás, que mais têm sido procurados pelas empresas neste ano, em que as concessões cresceram mais entre janeiro e outubro, destaca o economista do banco Votorantim Carlos Lopes.

 

"O perfil ainda é muito ligado à crise", ele pontua, ressaltando que as concessões de modalidades ligadas a investimento ainda estão mais de 50% abaixo da média observada entre 2011 e 2015.

 

Em sua avaliação, a melhora do cenário de crédito em 2017 é mais concentrada nos consumidores do que nas empresas, segmento em que a recuperação é ainda mais lenta e que ainda tem dificuldade de acesso aos empréstimos.
"O juro caiu um pouco, mas a burocracia aumentou", concorda o empresário Daniel Domingues Pires, dono de uma distribuidora de pescados em São Paulo.

 

Por trabalhar com um negócio bastante sazonal - ele vende camarões para cerca de 200 restaurantes na capital paulista e no ABC -, Pires precisa com frequência recorrer a instituições financeiras para "acertar o fluxo de caixa".

 

Diante da dificuldade, ele tem buscado alternativas ao sistema bancário tradicional. Há um mês o empresário usa o serviço de uma startup digital do setor financeiro que antecipa recebíveis (ou seja, faz empréstimos condicionados a um pagamento futuro de um cliente) em poucas horas, um serviço que lhe tomava mais de um dia de negociação com o gerente do banco.

 

Alexandre Góes, diretor de meios e pagamentos da empresa, chamada TrustHub, afirma que, em um mês de vida, já foram feitas cerca de 30 operações, com valor médio entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. "Existe uma demanda represada entre as pequenas e médias empresas", ele afirma.
No próximo ano, a fintech espera antecipar movimentar uma média de R$ 5 milhões por dia.

 

Como ter juros baixos?

 

O cenário da LCA para 2018 contempla uma queda maior dos juros bancários. De 27,4%, a taxa média total, que inclui pessoa física e jurídica, chegaria a 20% em dezembro do próximo ano. Tomando apenas o crédito livre à pessoa física, a expectativa é que o spread ceda quase 10 pontos percentuais, passando de 51 atualmente para 42.

 

Para Viriato, professor do Insper, uma melhora mais significativa dos juros viria apenas em 2019, após a definição das eleições. O risco, nesse sentido, é o futuro das reformas que estão tramitando no Congresso e que procuram diminuir no médio prazo o deficit nas contas públicas.

 

Com uma piora da situação fiscal, ele explica, o governo teria que emitir cada vez mais dívida para se financiar. "Isso poderia levar a um aumento do prêmio de risco e um eventual aumento das taxas", avalia.

 

A redução estrutural dos juros no Brasil, para Estêvão Bastos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), passa pelo equilíbrio das contas públicas, por reformas e mudanças de regulamentação como a que reduziu as taxas do rotativo do cartão de crédito.

 

Nesse sentido, acrescenta Madeira, da USP, há o Cadastro Positivo, que espera votação na Câmara e que pode representar mais um alívio às taxas cobradas dos consumidores no médio prazo, a nova lei de falência, que está sendo preparada pela equipe do Ministério da Fazenda, e a Agenda BC+, uma série de medidas propostas feitas pelo Banco Central para reduzir juros.


Fonte: ERS Consultoria & Advocacia

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