24 de Maio de 2007 - 12h:54

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A boa-fé e a denúncia espontânea tributária

A atual jurisprudência do STJ parece não somente contrariar a legislação como até privilegiar possíveis fraudadores

Por: Valor OnLine

Mesmo tendo passado mais de 40 anos da edição do Código Tributário Nacional (CTN), nossos tribunais continuam inovando na interpretação dos seus dispositivos. Ao lado dos artigos que dispõem sobre responsabilidade, constituição, suspensão e extinção do crédito tributário, decadência e prescrição, entre outros, a norma que trata do instituto da denúncia espontânea - o artigo 138 do CTN - é um dos temas que têm gerado grande celeuma nos tribunais brasileiros.

Em resumo, o dispositivo determina que o contribuinte que efetuar espontaneamente a denúncia de determinada infração por ele praticada, acompanhada, quando for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, estará exonerado de qualquer sanção, seja ela penal, administrativa ou tributária.

Uma recente análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do instituto da denúncia espontânea revelou novamente o entendimento daquele tribunal, já firmado há algum tempo, de que não será aplicado o benefício nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, quando o contribuinte declara a dívida e efetua o pagamento fora do prazo, à vista ou parcelado.

Nas hipóteses de parcelamento a discussão vem de longa data e culminou na edição da Lei Complementar nº 104, de 2001, que determinou expressamente que não serão excluídas multa e juros em tais situações. A inovação aqui se referiu especificamente à hipótese de denúncia espontânea acerca de pagamento em atraso, seguida de quitação à vista, ou seja, situação de aplicação do instituto em análise que, porém, foi diferenciada em razão de ter ou não ocorrido a declaração prévia do contribuinte.

Analisando diversas decisões que originaram a mencionada uniformização do entendimento pela primeira seção do STJ, composta pela primeira e segunda turma de direito público da corte, verifica-se que estas foram pautadas basicamente no pressuposto de que não pode ser configurada denúncia espontânea quando o crédito tributário encontra-se devidamente constituído pelo auto-lançamento.

Embora a jurisprudência dos tribunais superiores também já esteja pacificada no sentido de reconhecer que o auto-lançamento supre o dever da autoridade administrativa de efetuar o ato formal de constituição do crédito tributário, nenhum dos julgados conseguiu compatibilizar de forma convincente este entendimento com a norma do artigo 142 do Código Tributário Nacional, que prevê que o lançamento é um ato privativo da autoridade administrativa.

Sem dúvida esta é uma discussão da maior relevância, pois dela poderiam ser extraídas interpretações justas e definitivas, por exemplo, sobre o termo inicial da contagem do prazo de decadência nestes casos. Entretanto, para a presente análise é suficiente admitirmos que é possível a ocorrência do auto-lançamento pelo contribuinte e que este se dá através do cumprimento da obrigação acessória de fornecer ao fisco a declaração que reflete suas atividades negociais ao longo de determinado período.

Neste ponto, é importante rememorarmos que a única exceção à aplicação dos benefícios da denúncia espontânea prevista no artigo 138 do CTN é a ocorrência prévia de qualquer ato por parte do fisco tendente à cobrança do débito. Ou seja, não existe na legislação complementar norma que albergue a não-aplicabilidade do instituto da denúncia espontânea em razão de o contribuinte ter cumprido sua obrigação tributária acessória de apurar e declarar um eventual débito tributário devido. Tal fato, em si, já seria suficiente para afastar este entendimento de acordo com a estrita legalidade tributária.

Por outro lado, não se pode admitir que a declaração ofertada pelo contribuinte seja equiparada a esta hipótese de ato administrativo tendente à cobrança de um eventual valor devido que, de acordo com a legislação, inibe a aplicação dos benefícios da denúncia. Esse entendimento revela-se inapropriado, pois, além de equiparar a declaração do contribuinte ao dever privativo e vinculado da autoridade fiscal de cobrar os créditos tributários, privilegia aquele que sequer cumpriu suas obrigações acessórias, muitas vezes a fim de encobrir uma atuação fraudulenta e criminosa, em detrimento do contribuinte de boa-fé, que não somente satisfez seu dever de declarar como denunciou seu atraso para com os cofres públicos e realizou o pagamento do débito, com os demais acréscimos de correção e juros devidos.

Em conclusão, a atual jurisprudência do STJ que afasta a aplicabilidade do instituto da denúncia espontânea nas hipóteses de prévia declaração e pagamento em atraso, ainda que à vista, parece não somente contrariar ou esvaziar a legislação complementar como também, em certos casos, até privilegiar possíveis fraudadores. Desta forma, deve remanescer a esperança de readequação deste entendimento, seja no próprio STJ, seja no Supremo Tribunal Federal (STF), com base nos princípios constitucionais da legalidade, estrita legalidade tributária e segurança jurídica.


Mario Comparato é advogado especializado em direito tributário e empresarial e sócio do escritório Manhães Moreira Advogados Associados
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