11 de Abril de 2011 - 13h:02

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Perspectiva para a virada

Por: Patrícia Comunello - Jornal do Comércio

Ninguém gosta de ficar sem dinheiro para pagar a conta de luz ou a de água. O efeito imediato é o corte do serviço. Não há choro que evite o apagão doméstico. O gerente administrativo financeiro da Bellagres Indústria Cerâmica, com sede em Charqueadas, Valério Serafim da Silva, passou pelo sufoco há pouco mais de três anos e teve de buscar, ao lado dos proprietários e executivos, uma solução. A opção, após um mergulho profundo na situação econômico-financeira do negócio e no potencial de mercado, foi pela recuperação judicial, modalidade que estreou em 2005 na legislação brasileira. "O ponto forte era que os gestores queriam mudar a realidade, profissionalizar e reestruturar a operação", assinala o executivo.

A empresa, uma das mais importantes da economia do município distante 55 quilômetros de Porto Alegre e com 230 empregados, ocupava, à época, 70% da capacidade instalada de quase 370 mil metros quadrados mensais de revestimento. Uma das primeiras atitudes do recém-contratado diretor foi aumentar a capacidade da fábrica e até adquirir nova linha de produção. "Sem produto não há receita para pagar nem mesmo a conta da luz", justifica. Silva recorda que a ameaça de corte de energia surgia em fins de semana, quando cansou de ligar à concessionária pedindo para que não fosse interrompido o fornecimento.

O diretor tem a certeza, hoje, passadas as maiores contingências, de que até a compreensão do funcionário da companhia de luz ajudou a indústria a dar a volta por cima. Cafezinho foi outra regalia cortada. A conta mensal era de R$ 365,00. Um luxo, quando não havia fluxo de caixa para despesas mais elementares, justifica Silva. Mas, mesmo na terra arrasada, o executivo, que aportou em Charqueadas após passar pelo teste de duas recuperações judiciais em cerâmicas no Sul catarinense, não arredou da meta de aumentar a produção e diversificar. Outra atitude, que ele lembra como se fosse hoje, foi alterar a estratégia de marketing.

Era 26 de julho de 2007, o administrador propôs aos donos a mudança no posicionamento da marca. O slogan passou a ser Bellagres - A cerâmica do Rio Grande. Afinal, era a única indústria estadual no ramo. Também disparou o desenvolvimento de novos produtos. Com o dobro da capacidade e prevendo crescer 15% em 2011, o grupo projeta investir para alcançar uma produção de 1 milhão de metros quadrados mensais de revestimento nos próximos anos e levará 12 lançamentos à Construsul deste ano, maior feira da área no Sul do País. A empresa também gerou recursos para inovar e criou a telha Tecma, com tecnologia própria. O processo de recuperação judicial, homologado na metade de 2010 pela Justiça, não precisou do aval de credores, passo previsto em lei. "Não houve nenhuma oposição ao nosso plano", comemora o gestor.

Em Bagé, na Campanha gaúcha, houve estouro de foguete em 2 de março, quando uma assembleia de credores aprovou o plano de recuperação judicial das Lojas Obino, maior empregadora da cidade e que havia anunciado a adesão ao procedimento em julho de 2010. Um dos funcionários mais antigos da rede, há 27 anos na empresa, Sérgio Marimon, traduziu a data como um alívio para ele e os colegas que atuam em 45 lojas. "Experimentamos o temor de a empresa fechar e a chance de dar a volta por cima", resumiu Marimon, hoje na área de TI.

Há oito meses teve, sim, demissão de 200 trabalhadores, além do fechamento de 20 filiais, ações enquadradas no plano de curto e médio prazo para devolver as condições de operação da rede, explica o consultor da americana Alvarez&Marsal, especializada em salvar empresas de crises, Gonzalo Grillo. A consultoria foi contratada para comandar a empreitada na Obino. Grillo conseguiu em poucos meses negociar um passivo de R$ 115 milhões, derrubando a cifra para R$ 30 milhões, incluindo débitos fiscais e de bancos. O consultor, que não revela, claro, o segredo para tamanho êxito na redução da dívida, avisa que a atual fase é de busca pela normalidade do negócio.

Uma meta é chegar a R$ 200 milhões de faturamento em quatro anos, depois de alcançar R$ 100 milhões em 2010. Em 2011, o desafio é crescer mais de 15%. O profissional aponta o crescimento do varejo, na carona do avanço da classe C como impulso. Mas também atribui a rapidez nos resultados a um trabalho cirúrgico sobre a gestão, as finanças e o zelo da marca. "A reestruturação é a arte de criar valor para a companhia e para todas as pessoas envolvidas", conceitua o expert. O consultor garante que a rede não mudará o mix de produtos nem deve abrir mais lojas. "O foco agora é gerar valor na operação", afirma Grillo.

Novo artigo na legislação brasileira está em vigor desde 2005 e substitui a antiga concordata

A história da Bellagres serve para ilustrar a profunda incursão nos porões da gestão de um negócio para retirá-lo da rota de uma eventual falência. As medidas adotadas compõem a receita de um processo de recuperação judicial, artigo novo na legislação brasileira que promoveu alterações sensíveis para empresas que estão na trilha do esgotamento. Neste mecanismo, que substitui a antiga concordata, o negócio busca aval de credores para renegociar débitos e ainda retomar a vida diária com fornecedores, que têm prioridade na quitação mensal. Fluxo de caixa injetado prioritariamente na manutenção da vida da empresa. Em paralelo e sempre sob o olhar da Justiça, os donos devem parcelar dívidas, que costumam ser enxugadas, e saldá-las.

Especialista na área e integrante da paulista Erimar Consultoria Empresarial, Estácio Florentino ressalta a importância de saber o momento de recorrer ao recurso previsto na Lei de Recuperação e Falências. "Quanto mais rápido o empresário decidir que é hora de pedir o auxílio, maiores as chances de evitar o declínio do negócio." Fazer um diagnóstico detalhado e objetivo e cumprir prazos e determinações legais são condições imprescindíveis no andamento do procedimento. O gerente administrativo financeiro da Bellagres Indústria Cerâmica, com sede em Charqueadas, Valério Serafim da Silva, orgulha-se de ter antecipado a quitação de débitos trabalhistas. "Preciso ter o quadro de pessoal comigo. Os funcionários são uma peça fundamental na retomada", valoriza o executivo.

Em junho, a empresa avança no abatimento de parcelas com outros credores e já programa encerrar este capítulo de intensa tormenta e aprendizado em dez anos. "Tudo depende da atitude do dono ou da direção da empresa em realmente querer a solução", condiciona o advogado Roberto Martins, do escritório Zago&Martins. Para Gonzalo Grillo, consultor da americana Alvarez&Marsal, que comanda atualmente o saneamento da rede de varejo gaúcho Lojas Obino, não é surpreendente a demora em acionar a lei, pois "o ser humano tem dificuldade de perceber que a situação está desandando".

Foi no ano em que a cerâmica gaúcha entrou para a família brasileira das empresas em recuperação judicial - 2009 - que o expediente registrou maior volume de pedidos e concessões. Segundo a Serasa Experian, foram 670 solicitações e 492 deferimentos. O assessor econômico da empresa de análise e cadastro de crédito, Carlos Henrique de Almeida, associa o número recorde ao período da crise econômica mundial. Sem caixa e com crédito comprimido no mercado, nada mais óbvio que as empresas em dificuldades recorrerem ao novo mecanismo.

Em 2010, os números encolheram e ficaram em 475 pedidos e 361 concessões. No Estado, a adesão é considerada ainda baixa e não aparece na estatística da Serasa. Martins aponta a existência de poucas varas especializadas como limitador para maior agilidade e popularização dos processos.

A Aeromot, o síndico e o advogado

O engenheiro Cláudio Barreto Viana quase não acreditou quando um e-mail da Embraer aportou em sua caixa de mensagens na tarde de sexta, 1 de abril. Apesar de o dia ser conhecido popularmente como o da mentira, Viana, dono da gaúcha Aeromot, sabia que o remetente, a brasileira e uma das maiores companhias mundiais de fabricação de aeronaves, informava algo muito sério e o que poderia ser a salvação do negócio. "Fomos
pré-qualificados para disputar o fornecimento de bancos e macas para um cargueiro militar, o KC-390.

Certamente vencemos até concorrentes internacionais", descreveu Viana. Agora começa a torcida, pois em 30 a 60 dias deve sair o resultado da seleção. "Estimamos que cada unidade envolverá contrato de R$ 500 mil nos dois itens, e a Embraer quer fabricar 150 aviões nos próximos anos", projeta o empresário.

Se não fosse pela trajetória dos últimos dois anos da empresa, o entusiasmo com uma notícia que ainda não implica encomendas não seria tão elevado. A companhia, precursora do setor no Rio Grande do Sul, agarrou-se ao processo de recuperação judicial para garantir fôlego extra e reverter a grave crise financeira. Mesmo sem ter a aprovação do plano, que aguarda decisão do juiz, o engenheiro, que já atuou na antiga Varig, declara que o estancamento de pagamentos de débitos passados e a liberação de certidões fiscais, garantem a possibilidade de se habilitar a vender a Embraer.

A crise tem origem na desvalorização cambial, que rebaixou a receita de exportações, e perda de clientes para o motoplanador Ximango. "A compreensão dos juízes de que algumas empresas como a Aeromot podem passar por problemas eventuais e se reerguerem é muito importante", reconhece Viana.

Na escalada pelo saneamento, o dono da empresa, seu advogado Roberto Martins, e o administrador judicial, responsável por fiscalizar o processo, Luiz Henrique Guarda, celebraram um pacto informal para garantir a operação. "É a chance de a empresa se reerguer", aposta Martins. "O status da recuperação judicial permite que casos como o da Aeromot possam retomar seu mercado", aponta Guarda. Viana espera que a Justiça homologue a parte final da recuperação, mas dependerá de caixa.

O cronograma para saldar credores será o maior teste da empresa. O status, destaca o advogado, sócio do escritório Zago&Martins, abre espaço para que o fluxo de novas receitas seja direcionado principalmente à operação. Aos 79 anos e uma saúde que inspira cuidados, Viana também alimenta o sonho de vender unidades do Ximango ao governo federal para uso em patrulhamento de grandes cidades. "Temos a tecnologia. Podemos fazer", acredita o fabricante veterano, lembrando das demandas já projetadas para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016.

Mérica reconstrói a volta ao mercado após a depressão

O empresário gaúcho da construção civil Paulo Feijó tinha tudo para estar na crista da onda do seu setor. Com trajetória de atuação em moradia de baixa renda, o construtor fez seu cartaz erguendo módulos do antigo Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que hoje virou um dos nichos do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), do governo federal. Mas uma parceria com uma grande incorporadora que não deu certo inverteu a boa fase da empresa da noite para o dia em 2009. "Perdi o chão, meus fornecedores passaram a desconfiar das minhas condições de operação. A corda sempre arrebenta no lado mais fraco", descreve Lopes.

O empresário tentou reverter a maré ruim sozinho. O que só adiou o remédio final: render-se ao procedimento terapêutico da recuperação judicial. "Demorei muito tempo para tomar a decisão. Isso custou parte do meu cérebro", ilustra, sobre o período de dificuldades e estresse. Em 2010, o dono da Mérica Brasil Empreendimentos, com sede em Caxias do Sul, conseguiu o aval da Justiça ao plano para resgatar seu negócio e, desde então, reconstrói a volta ao mercado e com foco agora em clientes de classe média.

Feijó lançou empreendimentos com 170 unidades situados em Gravataí e Esteio. Outros 800 apartamentos estão engatilhados em novos projetos. "O melhor da festa começa agora. Sei o tamanho que posso ter e daqui para frente selecionarei com cuidado meus parceiros", assimilou o construtor.

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