04 de Abril de 2007 - 14h:49

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Os créditos de ICMS e a guerra com o fisco

Por: Valor On-Line

Os créditos de ICMS, utilizados na compensação com o débito do imposto decorrente da saída de mercadorias ou serviços do estabelecimento, sempre foram tema de constante discussão entre os fiscos estaduais e os contribuintes. Efetivamente, à medida que o contribuinte possui mais créditos do imposto, menor será o valor que terá a recolher aos cofres públicos, já que o ICMS é um imposto que pretende incidir somente sobre o valor agregado das operações de circulação de mercadorias e serviços. Assim, se de um lado o contribuinte pretende ter direito ao crédito em todas as suas aquisições, o fisco pretende limitar esse direito, evitando, dessa forma, a queda da arrecadação tributária.

Essa constante guerra entre fisco e contribuinte foi fomentada pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que atribuiu nova redação ao chamado princípio da não-cumulatividade do ICMS. Com efeito, antes de 1988 era pacífico o entendimento de que os créditos de ICMS deveriam obedecer ao sistema físico (o chamado sistema "mercadoria versus mercadoria"), que consiste em permitir ao contribuinte creditar-se do imposto incidente nas operações anteriores, desde que essa aquisição esteja ligada diretamente ao seu processo produtivo ou de comercialização. Assim, por exemplo, a aquisição de insumos para a produção daria direito a créditos de ICMS, ao passo que a compra de materiais de escritório não o faria.

A diferença é substancial. Se por um sistema (o físico), somente insumos, serviços ou demais aquisições que estiverem ligadas diretamente ao processo produtivo ou de comercialização dariam direito a crédito de ICMS (desde que, evidentemente, fossem tributados pelo imposto em etapas anteriores), pelo sistema financeiro todo e qualquer produto, mercadoria ou serviço tributado nas etapas anteriores pelo ICMS dariam o direito, quando de sua aquisição pelo contribuinte, ao crédito do imposto.

A diferença é substancial. Se por um sistema (o físico), somente insumos, serviços ou demais aquisições que estiverem ligadas diretamente ao processo produtivo ou de comercialização dariam direito a crédito de ICMS (desde que, evidentemente, fossem tributados pelo imposto em etapas anteriores), pelo sistema financeiro todo e qualquer produto, mercadoria ou serviço tributado nas etapas anteriores pelo ICMS dariam o direito, quando de sua aquisição pelo contribuinte, ao crédito do imposto.

É importante lembrar que não é qualquer pessoa (física ou jurídica) que pode creditar-se de ICMS. A premissa básica para a compreensão dos sistemas físico e financeiro de créditos do imposto é de que eles se aplicam somente a quem tem o direito de creditar-se do ICMS - os chamados contribuintes de ICMS, em regra geral, pessoas jurídicas industriais, comerciais ou prestadores de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e prestadores de serviços de comunicação.

A criação da teoria do sistema financeiro de créditos de ICMS, embora defendida ferrenhamente por grandes nomes do mundo jurídico-tributário, nunca foi aceita pelos fiscos estaduais, que mantiveram o entendimento no sentido de que o crédito somente é possível na aquisição de produtos ou serviços que venham a compor diretamente o processo produtivo ou de comercialização, nos moldes como sempre funcionou o princípio da não-cumulatividade do imposto.

Numa clara tentativa de apaziguar as discussões, a Lei Kandir - a Lei Complementar nº 87, de 1996 -, exercendo sua competência para regular, em âmbito infraconstitucional, o princípio da não-cumulatividade do ICMS, previu o direito ao crédito de ICMS na aquisição de ativos imobilizados, desde que ligados ao processo produtivo ou de comercialização, permitindo-o, todavia, em parcelas de 1/48. Ou seja, o crédito na aquisição de ativo imobilizado se daria somente em certas ocasiões (quando esse ativo estivesse ligado diretamente ao processo produtivo ou de comercialização) e, ainda assim, em 48 parcelas mensais.

A Lei Complementar nº 87 previu, também, o direito ao crédito do ICMS na aquisição de materiais de uso e consumo do próprio estabelecimento, assim considerados aqueles produtos ou mercadorias que não estão ligados, ao menos diretamente, ao processo produtivo e de comercialização, e que possuem como consumidores finais os próprios contribuintes de ICMS que o adquirem. Exemplo disso são os materiais de escritório, limpeza e manutenção, dentre outros.

Todavia, no que atina aos materiais de uso e consumo, a Lei Kandir postergou, inicialmente, o direito ao crédito em suas aquisições para o dia 1º de janeiro de 2000. Em 1999 - antes, portanto, que o direito àqueles créditos passasse a valer -, foi editada a Lei Complementar nº 99, que postergou novamente o direito aos créditos para 1º de janeiro de 2003. Em 2002, em razão das pressões dos governos estaduais, foi editada a Lei Complementar nº 114, que adiou aquele direito para janeiro de 2007. Novamente, no fim de 2006, foi editada a Lei Complementar nº 122, que passa a permitir os créditos na aquisição de materiais de uso e consumo somente a partir de 1º de janeiro de 2011.

Ou seja, o direito ao creditamento nas aquisições de materiais que são consumidos e utilizados pelo próprio estabelecimento - que, para alguns juristas, vale desde a edição da Constituição de 1988 - vem sendo postergado de tal maneira que tem se tornando letra morta. A temida queda da arrecadação tributária dos Estados que seria proporcionada pelo exercício desse direito não permite a equalização da situação desses créditos.

Efetivamente, a posição legislativa adotada desde a edição da Lei Kandir causa mais confusões do que soluções à questão, já que persiste a dúvida quanto à extensão do direito aos créditos de ICMS na aquisição dos materiais de uso e consumo. Afinal, muito embora a lei autorize os créditos, ela o faz com data pré-fixada, que vem sendo constantemente adiada.

É importante lembrar que, muito embora vários juristas insistam na tese do crédito financeiro, o que permitiria o creditamento independentemente de autorização legal, os tribunais - notadamente os administrativos, como o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo - têm mantido entendimento no sentido de o crédito ter natureza física, dependendo, assim, de autorização legal para poder ser exercido.

Leonardo Lima Cordeiro é especialista em direito tributário, advogado da área tributária do escritório Kanamaru e Crescenti Advogados & Consultores e professor de legislação e planejamento tributário do Centro Universitário Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap)

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