11 de Março de 2010 - 11h:40

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OAB contra projetos de reforma

Por: Giselle Souza - Jornal do Commercio

A pretensão do governo federal em alterar o processo de execução fiscal no País sofrerá resistência da advocacia. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) realizou ontem reunião com o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, que apresentou o teor dos quatros projetos de lei em curso na Câmara dos Deputados, elaborados sob a coordenação dele ainda quando estava à frente da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, justamente com o objetivo de promover a reforma do sistema. A maior parte dos integrantes da Ordem, no entanto, se manifestou contrária à aprovação dos textos. Na avaliação deles, as propostas dão poderes demasiados ao Fisco, diminuem substancialmente as competências do Judiciário e violam direitos constitucionais.
A reunião, conduzida pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, resultou na criação de uma comissão no âmbito do Conselho Federal para estudar os projetos de lei, que visam a estabelecer regras para a cobrança administrativa da dívida ativa da Fazenda Pública (PL 5.080/09), a dívida tributária (PL 5081/09) e a transação tributária (PL 5082/09), além de alterações no Código Tributário Nacional (PLP 469/09). Na reunião de ontem, a entidade manifestou sua posição sobre uma das propostas, a de número 469/09. Sob a justificativa de combate à sonegação fiscal, a proposta prevê maior responsabilização para os sócios e gerentes por débitos de pessoas jurídicas, assim como dos administradores ou gestores, ainda que não sócios, por tributos não pagos pela empresa.

De acordo com a OAB, pela proposta, esses dirigentes serão responsabilizados de maneira subsidiária (ou seja, após esgotadas as possibilidades de cobrar o débito da empresas) quando não comprovarem que agiram com diligência; tiverem autorizado a venda ou a entrega em garantia de bens da empresa sem as devidas provisões para pagamento de tributos; tiverem agido em desacordo com o mandato, o contrato social ou estatuto e em infração à lei; ou tiverem distribuído lucros, dividendos, bonificações ou outras vantagens se a empresa tiver tributos vencidos e patrimônio insuficiente para quitá-los.

Segundo a Ordem, o projeto também prevê o aumento da responsabilidade dos sócios não dirigentes, que atualmente está limitada em regra ao valor de sua participação no capital social. Dessa forma, caso a empresa não quite seus débitos tributários, as pessoas físicas terão que arcar com esse ônus, quando restar comprovada a sua culpa pessoal pelo não pagamento, como nos casos em que, de maneira irregular, paralisarem ou fecharem a empresa. Outro ponto do projeto criticado pela entidade é o que obriga qualquer pessoa que, de maneira consciente, omitir informações requisitadas pelo Fisco ou deixar de prestá-las em prazo razoável, ou ainda faltar com a verdade, a pagar o débito de maneira subsidiária.

"Alegando atualizar o Código Tributário Nacional, no que diz respeito às possibilidades de responsabilização tributária dos sócios e administradores, o Projeto de Lei 469/09 inverte a chamada presunção de inocência, consagrada pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, criando a necessidade de provar aquilo que a própria Constituição já presume suficiente, que é a boa-fé", disse Márcia Machado Melaré, secretária-adjunta da entidade, em seu voto. A advogada destacou em seu parecer a posição da seccional paulista da OAB sobre o Projeto 469/09, que enviou manifesto ao presidente da Câmara, Michel Temer (PSDB-SP), contra a aprovação das proposições.

Para Márcia, a função de efetuar essa fiscalização é do próprio Fisco. Assim sendo, obrigar o cidadão a prestar informações de toda ordem à Fazenda Pública, mesmo em relações comerciais nas quais a pessoa física intervenha como mero adquirente de um bem ou serviço, sob pena de torná-lo co-responsável pela dívida tributária de um terceiro, "apresenta-se como absolutamente irrazoável e desproporcional". "Isto também é uma séria violação à garantia constitucional ao devido processo legal", afirmou.

No parecer, a secretária-geral ressaltou a necessidade de os projetos apresentados pelo Executivo serem submetidos "a sistemática e profunda reflexão, mediante debates urgentes, não internamente, mas com as autoridades e órgãos envolvidos na melhoria do sistema tributário nacional, mediante a preservação dos direitos e garantias dos contribuintes". Ela também reclamou de a OAB não ter sido ouvida no processo de elaboração dos projetos. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional realizou uma série de audiências, com juízes federais, quando da confecção dos textos.

O de número 5.080/09, por exemplo, dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. Para isso, estabelece a investigação patrimonial dos devedores, por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da ProcuradoriaGeral Federal, da ProcuradoriaGeral do Banco Central do Brasil e dos órgãos correspondentes dos estados, municípios e do Distrito Federal.

Nesse sentido, a proposta prevê a criação do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes, a ser administrado pelo Ministério da Fazenda, inclusive com base nas informações gerenciadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Também pela proposta, "a Fazenda Pública poderá, no interesse da eficácia da execução, promover diretamente o reforço da constrição preparatória insuficiente e a substituição de bens objeto de constrição por outros".

O PL 5081/09, por sua vez, dispõe sobre a instituição de mecanismos de cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa mediante a regulamentação da prestação de garantias extrajudiciais, da oferta de bens imóveis em pagamento e do parcelamento e pagamento à vista de dívida de pequeno valor.

A proposta é polêmica, ao estabelecer que "caso o débito que se pretenda extinguir seja objeto de ação judicial, o devedor ou co-responsável deverá instruir o requerimento com a cópia da desistência da ação judicial, da renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, e arcará com o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios".

Outro projeto de lei que preocupa os advogados é o que fixa as regras para a transação tributária (PL 5082/09). O objetivo da proposta é "constituir nova relação entre a administração tributária e os contribuintes, possibilitando que as duas partes, mediante entendimento direto, alcancem uma aplicação mais homogênea da legislação tributária".

Dessa forma, prevê quatro modalidades de transação: a que pode ser realizada em processo judicial; em insolvência civil, recuperação judicial e falência; recuperação tributária; e no âmbito administrativo por adesão. Pelo projeto, o termo de transação poderá ser condicionado à exigência de assinatura de termo de ajustamento de conduta, prévio, suplementar ou incluso no próprio termo de transação, que especificará as condições para o cumprimento das obrigações e demais deveres tributários assumidos, inclusive prazos ou procedimentos a serem observados.

O Executivo justifica a importância das propostas pela quantidade de processos em curso atualmente nos tribunais. Dados obtidos junto às cortes de Justiça informam que menos de 20% dos novos processos de execução fiscal distribuídos em cada ano têm a correspondente conclusão nos processos judiciais em curso, o que produz um crescimento geométrico do estoque.

De acordo com o Executivo, o número de execuções fiscais equivale atualmente a mais de 50% dos processos judiciais em curso no âmbito do Poder Judiciário. No caso da Justiça Federal, esta proporção é de 36,8% e retrata o crescimento vegetativo equivalente ao da Justiça dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Para o governo, a retirada de parte do trâmite das execuções fiscais do âmbito do Poder Judiciário terá importante impacto positivo na velocidade da própria prestação jurisdicional.

A OAB, no entanto, rebate essas justificativas. "O argumento não convence. Se os elevados recursos materiais que serão necessários para aparelhar a Procuradoria da Fazenda Nacional para as pretendidas funções judiciais fossem canalizados, como se deve, para o próprio Poder Judiciário, aí sim estariam preservadas as instituições, a harmonia entre os Poderes da República e respeitados caros e inerentes direitos da cidadania.

Enaltecendo-se o Poder Judiciário, ganha a Democracia e aprofundam-se os fundamentos do Estado de Direito", disse Márcia Melaré, em seu voto. (A reportagem é da jornalista Giselle Souza e foi publicada no Jornal do Commercio).

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