30 de Novembro de 2009 - 11h:16

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Dívida prescrita não entra no Refis da Crise

Por: Evandro Garcia de Lima

 presente artigo tem a finalidade de destacar o alcance e a importância de detectar o instituto decadência e o instituto prescrição nos débitos declarados, não declarados, adimplidos e não pagos, principalmente com a edição da Lei 11.941/09, que permite parcelamento de débitos com condições especais, que podem interessar para muitos devedores.

O parcelamento tributário foi instituído no Código Tributário Nacional pela Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, e está inserida no artigo 155-A:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.

§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória.

§ 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.

§ 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. [1] (grifo nosso)

É importante esclarecer o alcance do instituto parcelamento no Direito Tributário, que por várias vezes implementado pelo Fisco (ex: REFIS, PAES, PAEX), vem sempre regulamentado por norma ordinária. O parcelamento tributário rege-se subsidiariamente pelo instituto da moratória, que está expresso nos artigos 152 ao 155 do Código Tributário Nacional, portanto, abarcado pela legislação complementar.

Recentemente entrou em vigor a Lei 11.941 de 27 de maio de 2009, estabelecendo uma nova oportunidade de parcelamento:

Art. 1º  Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, de que trata a Lei no 9.964, de 10 de abril de 2000, no Parcelamento Especial – PAES, de que trata a Lei no 10.684, de 30 de maio de 2003, no Parcelamento Excepcional – PAEX, de que trata a Medida Provisória no 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados. [2]

A benesse desse novo parcelamento está nos descontos oferecidos pela União, que concede ao sujeito passivo redução da multas de mora e de oficio, juros de mora e encargo legal (inciso I a V, § 3º do art. 1º da lei 11.941).

Porém, assim como nas leis de parcelamentos anteriores, a presente lei estabelece que o sujeito passivo tem o dever de confessar suas dívidas em caráter irretratável e irrevogável. Confira-se:

Art. 5º  A opção pelos parcelamentos de que trata esta Lei importa confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo na condição de contribuinte ou responsável e por ele indicados para compor os referidos parcelamentos, configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, e condiciona o sujeito passivo à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Lei. 

Art. 6º  O sujeito passivo que possuir ação judicial em curso, na qual requer o restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros parcelamentos, deverá, como condição para valer-se das prerrogativas dos arts. 1o, 2o e 3o desta Lei, desistir da respectiva ação judicial e renunciar a qualquer alegação de direito sobre a qual se funda a referida ação, protocolando requerimento de extinção do processo com resolução do mérito, nos termos do inciso V do caput do art. 269 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, até 30 (trinta) dias após a data de ciência do deferimento do requerimento do parcelamento. [3]

Ocorre que muitos dos débitos, ditos devidos pelo Fisco, na realidade não são devidos pelo sujeito passivo, pois foram fulminados ou pela decadência tributária ou pela prescrição tributária.

Note-se, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2008, aprovou a Súmula Vinculante 8, estabelecendo que decreto-lei e lei ordinária não podem tratar sobre matéria que verse sobre decadência tributária e prescrição tributária, que são reservadas a lei complementar:

“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.[4]

Neste julgamento foi decidido que esta decisão teria efeito modular, estabelecendo-se que quem pagou o tributo até 11 de junho de 2008 não teria direito à repetição de indébito, enquanto que, para quem não tivesse ainda pago o tributo, o valor não mais seria devido.

Desta feita, principalmente em razão de débitos previdenciários resguardados pela Lei 8.212/91, art. 45 e art. 46, declarados inconstitucionais, tem a autoridade administrativa de extirpar os créditos tributários nos novos parcelamentos, assim como nos anteriormente parcelados, conforme preceitua o art. 103-A da Constituição Federal:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

(...)

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.[5]

Não obstante, na época dos parcelamentos anteriores (REFIS, PAES, PAEX) o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça era de que o prazo prescricional para o Fisco cobrar era de dez anos, pois havia aplicação conjunta dos artigos 150, parágrafo 4º do Código Tributário Nacional, e do inciso I do art. 173 do mesmo Código. Este entendimento perdurou entre os anos de 1995 até meados do ano de 2005, quando no REsp 638.962/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, alterou-se este entendimento, considerando-se a aplicação de um ou do outro artigo conforme o caso.

Observe-se que, durante este período, os parcelamentos abarcaram débitos prescritos ou decaídos, conforme o caso, e, portanto passíveis de nulidade.

A par disso, é patente o direito que tem o sujeito passivo de ver excluídas dívidas prescritas ou decaídas dos débitos parcelados, não se podendo levar em consideração as imposições da lei ordinária que estabelece como confissão irrevogável e irretratável as dívidas repactuadas, pois conforme exposto, lei ordinária não pode estabelecer prazos de decadência e prescrição. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão Recurso Especial 646.328-RS (2004⁄0034622-0), relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques:

Recurso Especial Nº 646.328 - RS (2004⁄0034622-0)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Bernardo Sonego
Advogado: Lino Dalmolin
Recorrido: Município de São João do Polêsine
Advogado: Ditmar Adalberto Strahl

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IPTU. ARTIGOS 156, INCISO V, E 165, INCISO I, DO CTN. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA. PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.

1. A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1004747⁄RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18⁄06⁄2008; REsp 636.495⁄RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02⁄08⁄2007)

2. Recurso especial provido.[6]

Note-se que o caso em apreço trata de repetição de indébito de tributo lançado de ofício (IPTU), alcançado pela prescrição. Porém, as premissas utilizadas são as mesmas para todos os tributos (misto ou por homologação), ou seja, o Código Tributário Nacional não distingue qual o tributo a ser fulminado pela decadência ou pela prescrição, pois todos são abarcados por estes institutos.

O fato, portanto, é que a segurança jurídica tem de ser respeitada.

Se um parcelamento oportuniza ao contribuinte desistir de um parcelamento anterior para inscrever-se em um parcelamento atual, o parcelamento anterior retorna à condição primária. Tendo este dívidas que antes, por exemplo, não eram consideradas prescritas ou decaídas em função do entendimento dos cinco mais cinco da jurisprudência — cinco anos para decadência, mais cinco anos para prescrição, somando mais de dez anos para que o Fisco cobrasse —, agora pode-se extirpar o débito no novo parcelamento. O que já foi pago, por consequência, teria de ser abatido do valor consolidado no novo parcelamento. Assim, como não havendo débito a abater, o valor pago deveria ser restituído.

Outra novidade deste parcelamento recente é a possibilidade de aderir em parte, ou seja, os débitos em que há dúvidas quanto a sua existência podem ficar fora do novo parcelamento. Nos parcelamentos anteriores, possibilitava-se a adesão da dívida no todo, para posterior pedido judicial de exclusão dos débitos não devidos. Em breve resumo, estas são algumas ponderações que podem ser de utilidade para os contribuintes nesse momento, para efeito de deliberar sobre a conveniência de adesão ao parcelamento instituído pela Lei 11.941/09, que, sem dúvida, traz condições especais, que podem interessar a muitos devedores.

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