29 de Setembro de 2009 - 12h:05

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Clima tenso na assembléia do Independência que não houve

Por: Valor Econômico

Viaturas de polícia, guardas municipais, seguranças e detectores de metal para liberar a entrada. Aparato pouco comum para uma assembleia de credores, mas foi o que se viu ontem na do frigorífico Independência, que no fim acabou não sendo instalada por falta de quórum. Cerca de 500 pessoas - entre credores e procuradores - compareceram ao ginásio de esportes de Cajamar, a 44 quilômetros de São Paulo, para a reunião que discutiria o plano de recuperação judicial da companhia.

Com presença de 17,18% dos credores trabalhistas, 45,06% dos credores com garantia real e de 87,87% dos quirografários (credores sem garantias), não houve quórum. Para que a assembleia fosse instalada seriam necessários quóruns de 50% mais um em valor em cada categoria de credores.

O plano, que voltará à pauta dia 5 de outubro - provavelmente com modificações -, prevê a criação de uma nova empresa, a Nova Independência S.A. , para a qual seriam transferidos os ativos do Independência e um terço das dívidas de R$ 3,1 bilhões. O restante seria transformado em dívida perpétua e ficaria na empresa antiga.

A polícia estava lá na assembleia, segundo apurou o Valor, a pedido da juíza Adriana Nolasco, da Comarca de Cajamar, que cuida do processo do Independência. A razão, não declarada, era o temor de que algum pecuarista perdesse a calma. A categoria, aliás, que era a maioria entre os presentes, já perdeu a paciência e diz que vai pedir a falência da empresa se não receber, à vista, 100% do que lhe é devido. Os débitos do Independência com os fornecedores de bovinos somam R$ 181 milhões, segundo dados do administrador judicial.

"E aí, Tobias? Vai nos pagar?", perguntou, nervoso, o pecuarista Sílvio Flores, por volta das 10 horas, pouco antes de o administrador judicial Fernando Shaud e auxiliares iniciarem a contagem dos presentes. Constrangido, Tobias Bremer, diretor vice-presidente do Independência, respondeu. "Vamos fazer o possível". O pecuarista retrucou: "Tem que ter vontade". E emendou: "Cadê o Neto?", referindo-se a Miguel Russo Neto, um dos donos da empresa. "Não sei", balbuciou Bremer. "O sobrenome dele é covardia", disparou Flores, reagindo à ausência de Russo.

Flores, ex-executivo do Credit Suisse que há cinco anos fornecia bois para o Independência, tem R$ 218 mil a receber do frigorífico. "A proposta é receber à vista, com os valores corrigidos desde o vencimento", afirmou.

Mais calmo, mas não menos preocupado, o pecuarista Ricardo Merola, informou ter R$ 1,6 milhão a receber do Independência. "Foram mil bois", disse o presidente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), que cria gado em Goiás. "Vou levar quatro a cinco anos para recuperar [o valor]", lamentou.

Pela proposta do Independência, créditos de até R$ 80.000 por pecuarista seriam pagos em uma parcela e o saldo em 36 mensais. No decorrer das negociações, a empresa propôs pagar R$ 100 mil, mas os pecuaristas que aderissem teriam de dar procuração para advogados do próprio frigorífico.

Para Luciano Vacari, superintendente da Associação dos Criadores do Mato Grosso (Acrimat), a situação dos pecuaristas precisa de solução diferente da dos outros credores. "O pecuarista viabiliza o abate, é quem dá capital de giro para empresa", disse. "Se não contemplar [o pagamento de 100% da dívida], pediremos a falência do grupo".

O Independência condiciona o pagamento dos R$ 80 mil à obtenção de um novo financiamento. Os pecuaristas também discordam desse ponto. "Não vamos aceitar proposta indecorosa, vamos pedir a falência", fez coro Marcos da Rosa, presidente do comitê de credores de frigoríficos em recuperação judicial em Mato Grosso.

Se a chiadeira era grande entre pecuaristas, os credores financeiros eram muito mais discretos. O advogado Eduardo Mattar, do comitê de credores que representa bancos, nada disse ao sair da assembleia que não aconteceu.

Seguranças não permitiam fotos e filmagens e não deixavam jornalistas entrar nas áreas definidas para cada tipo de credor, mas a reportagem conseguiu, por alguns minutos, driblar a restrição. Enquanto esperava para ver se haveria quórum, o advogado Thomas Feslberg, que representa o JP Morgan, disse que o "desenho do plano vai ser alterado". O Independência deve R$ 250 milhões ao banco. Ele afirmou ser difícil que algum credor "aceite dívida perpétua", para acrescentar "não saber o que é dívida perpétua".

Conforme apurou o Valor, ainda que houvesse quórum, os credores financeiros - para os quais o Independência deve cerca de R$ 2,7 bilhões - planejavam pedir a suspensão da assembleia por não concordarem com a proposta. Uma fonte disse que nem todos são contra a proposta de dívida perpétua. As negociações com os credores foram retomadas ontem, e não há alternativa a uma dívida subordinada, disse a mesma fonte. Se não for criada uma dívida perpétua, será necessário condicionar o pagamento à venda da empresa ou a uma mudança nos prazos e isenção de correção, explicou.
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