22 de Setembro de 2009 - 09h:52

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JBS não desafia BRF

Por: Folha de São Paulo

O JBS-Friboi, que na semana passada anunciou a incorporação do grupo Bertin e a compra da Pilgrim"s Pride, uma das líderes do setor de aves nos Estados Unidos, descarta confronto direto com a Brasil Foods no país. A empresa não pretende entrar na criação de frangos e suínos no Brasil. Vai ficar nessas áreas apenas nas outras nações em que atua. Em entrevista à Folha, na sede da empresa, em São Paulo, Joesley Mendonça Batista, presidente-executivo da JBS, afirmou que, sem o apoio do BNDES, não teria sido possível se tornar uma empresa multinacional capaz de assumir a liderança no mercado mundial de carnes.

Para Batista, a formação de grandes frigoríficos responde a um "clamor" da pecuária. O presidente do JBS-Friboi disse que não permitiu ser fotografado para esta entrevista para evitar culto à personalidade. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha.

FOLHA - O que representa uma empresa do país se tornar a líder mundial no setor de carnes?
JOESLEY BATISTA - Uma oportunidade tremenda. Somente depois que se criaram no Brasil empresas globais, o boi do País passou a ter acesso a mais lugares do mundo, a ter preços internacionais. A gente assiste, por vezes, o boi brasileiro mais caro que o americano.

FOLHA - Mas isso não tem a ver com um desequilíbrio cambial?
BATISTA - Tem também, mas não é apenas isso. Quando uma mesma empresa vende carne americana, australiana, argentina e brasileira, não faz mais sentido a carne americana ["in natura"] ser vendida a US$ 4.000 [a tonelada] e a brasileira, a US$ 2.000. Você vende tudo a US$ 3.900, a US$ 4.100.

FOLHA - Houve essa mudança?
BATISTA - Desde que a JBS se globalizou [há dois anos], os preços internacionais convergiram para US$ 40 a arroba. Hoje você tem na Austrália um boi a US$ 35, no Brasil a US$ 42, nos EUA a US$ 45.

FOLHA - O que a empresa tem feito para se aproximar do pecuarista?
BATISTA - A aquisição de boi da JBS é feita à vista. Dos grandes frigoríficos, somos os únicos.

FOLHA - Desde quando se adota essa prática?
BATISTA - Desde novembro, no meio da crise, quando muito frigorífico começou a quebrar. Hoje, boa parte da indústria opera à vista. Não faz sentido o produtor financiar a indústria. Se alguém tem de financiar, é a indústria ao produtor. Nesse raciocínio, constituímos um banco para fomentar a pecuária. Operamos no mercado futuro para dar mais transparência aos preços.

FOLHA - Quanto do abate da JBS passa pela Bolsa?
BATISTA - Hoje, 30%. Nós abrimos uma corretora de boi magro para facilitar a reposição do gado vendido para abate. Assim como há o RI [departamento de relações com os investidores], temos o RP, com o produtor.

FOLHA - Existe algum sistema de prêmio ao pecuarista?
BATISTA - A gente não trabalha assim. Talvez a gente devesse inverter a fórmula de comunicar e dizer: "Vou partir de um preço "penalizado" e, se for bom, eu premio". Existe essa impressão equivocada do produtor que a gente pune, e não premia. A qualidade da carne brasileira hoje é comparável à do mundo inteiro.

FOLHA - Pensando nas outras etapas da cadeia produtiva, como deve ser o relacionamento com o varejo?
BATISTA - Hoje a gente tem grandes redes de supermercados, como Walmart, Carrefour, Pão de Açúcar. Do lado da produção, acho que é saudável ter grandes redes de fornecedores de suprimentos. A gente estreita os laços com as grandes redes. O que a gente tem tentado é investir na distribuição direta, perto também do pequeno supermercado, do restaurante. Esse é até o motivo do IPO [oferta de ações] nos EUA.

FOLHA - A organização em grandes grupos é possível na produção ou ela deve seguir pulverizada?
BATISTA - Na produção, isso tem acontecido também. Há 20 anos não havia produtores com mais de 10 mil bois. Existem unidades nossas, em vários Estados, em que os 50 maiores pecuaristas já representam mais de 50% do fornecimento.

FOLHA - Quais é o próximo passo?
BATISTA - Próximo? Nem demos esse ainda... O próximo passo é focar realmente nesses dois negócios bastante relevantes [incorporação da Bertin S.A. e aquisição da Pilgrim"s Pride]. A gente sai de 60 mil para 125 mil funcionários. De US$ 20 bilhões para pouco mais de US$ 30 bilhões em vendas. De 60 unidades para 140.

FOLHA - Existem empresas em situação parecida [em recuperação judicial] com a Pilgrim"s Pride no Brasil. Não há uma oportunidade aí?
BATISTA - Por este ano eu acho que não vamos ter mais novidades. Talvez no ano que vem.

FOLHA - Vocês pensam em entrar, também no Brasil, nos setores em que começaram a trabalhar nos Estados Unidos - suínos e aves?
BATISTA - Então... [pausa] Ao contrário do que muita gente fala, não estou muito animado a tentar competir aqui no Brasil com Perdigão e Sadia juntas. Acho que ser esse segundo lugar não vai ser fácil. Vai ser um lugar escuro, frio e úmido.

FOLHA - Como vocês analisaram as reações dos pecuaristas?
BATISTA - A gente não agrada todo mundo. Mas nós percebemos muitos elogios. Afinal de contas, a pecuária brasileira clama por um setor [industrial] mais sólido. Foram sete empresas nos últimos tempos que foram à recuperação judicial. Nos EUA, deixar uma empresa como a Pilgrim"s sucumbir seria péssimo. Reflexo disso foi a resposta dos investidores e das agências de rating [classificação de risco].

FOLHA - O que o sr. achou da declaração de um porta-voz da Tyson Foods, de que ser o maior não significa ser o melhor?
BATISTA - Nós recebemos no dia uma ligação do Don Tyson [presidente da empresa]. Ele nos congratulou, deu boas-vindas a nós no ramo de aves e disse que haverá uma disputa dura, uma boa competição.

FOLHA - Qual são as prioridades quando se adquire uma empresa em dificuldades?
BATISTA - Empresa é feita com 90% de gente e 10% de máquina. É preciso ter a capacidade de selecionar um time capaz de conseguir resultados.

FOLHA - A prioridade é diminuir desperdícios, aumentar vendas?
BATISTA - Empresa é muito simples: é preciso aumentar as vendas, o custo do produto vendido e o custo fixo têm de diminuir proporcionalmente e é preciso pagar menos juros para dar lucro. É necessário ter pessoas que enxerguem a empresa com essa simplicidade.

FOLHA - Com relação aos custos, a união com o Bertin levará ao fechamento de unidades, a demissões?
BATISTA - De forma alguma. Nós vamos crescer. Estimamos R$ 500 milhões de sinergia [ganhos com operação conjunta] entre JBS e Bertin e US$ 200 milhões [R$ 360 milhões] com a Pilgrim"s Pride.

FOLHA - Se não fosse o BNDES, teria havido esse crescimento da JBS?
BATISTA - Não teria. O BNDES está virando um "case" global. Todos os governos querem criar o seu "BNDES" para apoiar suas empresas nacionais. Ele tem feito operações lucrativas. Todo dinheiro que ele investiu está com lucro, mesmo depois de toda a crise.

FOLHA - Quanto o banco aplicou na empresa?
BATISTA - Depois da união com o Bertin, ele ficou com 22,4% da empresa. Nas aquisições da JBS nos EUA, o BNDES entrou com R$ 1,7 bilhão.

FOLHA - Qual a participação da Petros e do Funcef?
BATISTA - É pouco, 2% a 3% cada um.

FOLHA - As novas aquisições vão ser financiadas pela emissão de ações nos EUA?
BATISTA - A ideia é fazer primeiro uma captação privada de US$ 2,5 bilhões da JBS USA, para baixar a dívida do grupo [hoje de US$ 2 bilhões da JBS, US$ 2 bilhões da Bertin e US$ 2,5 bilhões da Pilgrim"s]. Em janeiro, o plano é captar US$ 2 bilhões com ações em Bolsa.

FOLHA - Por que o sr. pediu para não ser fotografado?
BATISTA - Luto muito para não "personificar" a empresa.

FOLHA - Não é por segurança?
BATISTA - Esse negócio de segurança, tudo bem, poderia ser, lógico. Mas não sou político nem artista de televisão para ficar saindo em foto.

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