03 de Fevereiro de 2009 - 13h:06

Tamanho do texto A - A+

Uma medida contrária ao investimento de longo prazo

Por: Valor Econômico - Ricardo J. de Almeida

Uma empresa que tenha dinheiro em caixa em valor superior ao necessário para suas atividades do dia-a-dia, para se precaver e para os investimentos, ou mesmo ajustes no endividamento que gerem retorno para os acionistas, deve destinar estas sobras para os acionistas. Duas maneiras são possíveis para isso: recomprar ações e/ou pagar dividendos, sendo estas duas maneiras concorrentes entre si.

Num momento de grande incerteza, os acionistas das empresas podem ser divididos entre satisfeitos e insatisfeitos em terem ações da empresa. A opinião destes dois grupos é muito diferente nestas fases de pouca concordância sobre o que vai ocorrer no futuro. Os satisfeitos continuam acreditando que a empresa é bom negócio e os insatisfeitos passam a não confiar que a empresa gerará os resultados que eram esperados. Assim, seria possível esperar que os satisfeitos quisessem comprar as ações dos insatisfeitos, mas as restrições para atender à diversificação das carteiras fará com que os satisfeitos não queiram expor grande parte de seu patrimônio num único negócio. 

Desde setembro de 2008, houve o rápido esfacelamento da tese do descolamento da economia brasileira em relação à americana. Os projetos que antes eram rentáveis, passaram a ser vistos como pouco rentáveis pelos mesmos investidores. Isso fez com que as empresas que antes tinham recebido dinheiro para expansão das suas atividades passassem a ficar com este dinheiro sobrando. Agora, uma destinação deverá ser dada a esta sobra de caixa. 

Especificamente, as empresas do Novo Mercado haviam feito captações com os acionistas naquele momento de mania e, quando estourou a bolha, viram que os recursos antes destinados a projetos ficaram sem destinação. Algumas optaram por recomprar ações e houve a autorização pela BM&F Bovespa para que empresas do Novo Mercado pudessem conduzir recompras permitindo o desenquadramento temporário do percentual mínimo de ações em circulação que é previsto no regulamento do Novo Mercado, de 25%. Aparentemente, esta autorização foi concedida neste momento de incerteza, em que os acionistas insatisfeitos pressionavam o preço das ações para muito menos do que os acionistas satisfeitos acreditam que estas ações devam valer. 

Os acionistas pessoas físicas que alocaram grande parte de seu capital em tal ação e ainda não "flipparam" podem ser divididos em dois grupos no caso de uma recompra por parte de uma empresa que recentemente fez a abertura de capital. O primeiro é o de acionistas insatisfeitos e tal recompra o faz ficar menos insatisfeito por vender por um preço que não seria possível sem a recompra. O outro tipo é o satisfeito, que fica frustrado porque acredita na empresa mas terá de vender a ação porque a liquidez ficará muito baixa. Alguém pode argumentar que esta pessoa física não precisa ficar frustrada porque quando a crise passar, a ação voltará a subir e ele conseguirá o preço que acredita ser justo. Além disso, que a reclamação desta pessoa não é relevante pois o que o mercado precisa não é de investidores que tentam ganhar no curto prazo, mas de investidores de longo prazo. 

O problema é que um investidor pessoa física tem uma tolerância ao risco diferente de um investidor institucional: a pessoa física está exposta a muito mais incertezas que possam fazer com que ele sofra pelo fato de a ação ficar sem "free float" nesta janela de tempo do que o institucional. O institucional diversifica mais e pode realizar outros investimentos com liquidez para pagar eventuais resgates. A pessoa física, para diversificar a esse ponto, sofre mais e, frequentemente, não consegue. 

A regra de permitir o desenquadramento temporário do "free float" neste contexto prejudica exatamente o investidor que acreditou na empresa e tem de sair por uma razão de mudança da regra do jogo. O pior dos riscos ocorrerá com ele, que é aquele que não se prevê com as informações disponíveis e depende de um decreto do órgão regulador ou auto-regulador. Decretos podem vir de todas as formas e isto causa uma apreensão que não é boa para o desenvolvimento do mercado de capitais maduro ao qual se pretende chegar. 

A solução é deixar a regra como está, sem permitir o desenquadramento, mesmo em situações de crise, ou excepcionalidades, e depressão no preço dos ativos. A empresa que está sem o que fazer com seu dinheiro deve pagar dividendos. 


Ricardo José de Almeida é professor de Finanças do Ibmec São Paulo e autor do livro "O Valor da Empresa e a Influência dos Stakeholders" 

E-mail: ricardo.j.almeida@terra.com.br 

VOLTAR IMPRIMIR