03 de Fevereiro de 2009 - 13h:01

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Lei leva empresas a evitarem negócios com paraísos fiscais

Por: Valor Econômico - Laura Ignácio

A Receita Federal do Brasil ainda não decidiu se vai editar uma nova lista de paraísos fiscais, e a indefinição já está fazendo com que algumas empresas deixem de fazer negócios com companhias localizadas em países ou em jurisdições que podem passar a ser considerados como tal - como o Estado de Delaware, nos Estados Unidos, e o Uruguai. Isso porque no dia 1º de janeiro entrou em vigor a Lei nº 11.727, de 2008, que determina que operações com empresas, coligadas ou não, situadas em países ou jurisdições de "regime fiscal privilegiado" devem ser tributadas de acordo com as regras de preços de transferência, o que significa, na prática, maior controle do fisco e, na maioria das vezes, uma carga tributária mais alta. Os locais de "regime fiscal privilegiado", segundo a nova legislação, são aqueles onde as operações não sejam tributadas ou onde a alíquota máxima seja 20%; que concedam benefícios fiscais a não-residentes sem exigir substância econômica no país; que não tributem rendimentos fora de seus territórios ou, ainda, que não permitam acesso a informações de composição societária ou transações econômicas realizadas pela empresa local.

No Brasil, a administração tributária já impunha a aplicação das regras de preços de transferência sobre as operações entre empresas nacionais e suas coligadas no exterior. O objetivo é o de impedir que essas companhias deixem de pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda (IR) sobre o capital que vai parar no exterior em decorrência de importações ou exportações - ou seja, que companhias transfiram lucros para as coligadas disfarçados de importações ou exportações e, assim, reduzam os impostos a pagar no Brasil. Mas a nova Lei nº 11.727 alcança também as empresas brasileiras com estrutura nos locais que estão sendo considerados como os "novos paraísos fiscais". Especialistas afirmam que essas empresas correm o risco de fechar as portas nesses locais se a carga tributária em operações com empresas brasileiras aumentar demais. Nesse caso, não valeria mais a pena manter a estrutura lá fora. "Se o local for considerado um paraíso fiscal, o IR na fonte sobe de 15% para 25%", diz Sérgio Kubiak, da consultoria empresarial Terco Grant Thorton. 

Para a maioria dos especialistas, a atualização da lista de paraísos fiscais traria maior segurança jurídica para as empresas. O advogado Paulo Marcelo de Oliveira Bento, sócio da área tributária do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch-Advogados, afirma que grande parte das empresas brasileiras está evitando negociar com companhias estruturadas em países sobre os quais não está claro se são paraísos fiscais ou não, como Delaware. "Uma nova lista facilitaria inclusive o trabalho de fiscalização da Receita", diz. A atual lista é taxativa e consta da Instrução Normativa nº 188, de 2002, da Receita, que regulamentava a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que trazia o conceito de paraíso fiscal até a edição da nova legislação. 

Outra dúvida frequente entre os empresários é se o país ou jurisdição em questão precisa apresentar todos os quesitos relacionados na nova lei para que seja considerado um paraíso fiscal para fins de aplicação das regras de preços de transferência, que é o chamado local com "regime fiscal privilegiado". Esse ponto, no entanto, foi esclarecido pela Medida Provisória nº 449, de dezembro. A norma diz que se o país apresentar "um ou mais" quesitos é caracterizado o regime fiscal privilegiado. "Isso deve fazer com que a lista de paraísos fiscais aumente, e muito", diz a advogada Erika Tukiama, do escritório Machado Associados Advogados e Consultores. 

A insegurança das empresas fez surgir uma nova demanda nas consultorias tributárias. Empresas querem descobrir quais países se encaixam nos quesitos de paraíso fiscal para que possam saber se suas transações devem ou não se sujeitar às regras de preços de transferência. O escritório Machado Associados, por exemplo, já analisou se a Holanda - que não consta da lista atual - poderia ser caracterizada como um local de regime fiscal privilegiado em determinada transação. "Concluímos que não era o caso", diz Érika. A demanda também é comum na KPMG. "O problema é que se a empresa perguntar para três consultores fiscais, cada um pode dizer uma coisa", argumenta o consultor Roberto Haddad. Ele afirma que muitos países - como o Uruguai, por exemplo - impõem uma alíquota baixa para rendimentos gerados fora do país. "Mas seria estranho o Brasil caracterizar um colega de Mercosul como paraíso fiscal", diz. O advogado afirma ainda que na Inglaterra o rendimento de alguns tipos de empresas não é tributado quando decorre de uma atividade no exterior. Nesse caso, fica a dúvida se o país britânico será caracterizado pelo fisco brasileiro como um paraíso fiscal. Para o tributarista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Taveira Torres, a Receita tem o dever de simplificar a aplicação das regras tributárias. "A criação do regime fiscal privilegiado sem uma lista, traz insegurança jurídica", diz. 

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