02 de Fevereiro de 2009 - 17h:04

Tamanho do texto A - A+

Em janeiro, pedidos de recuperação judicial de empresas sobem mais de 300%

Por: O Globo - Bruno Rosa

A crise financeira global tem levado inúmeras empresas aos tribunais Brasil afora. Sem crédito, muitas estão recorrendo ao socorro da Justiça para tentar sobreviver e evitar a temida falência. Os pedidos de recuperação judicial — como é chamado o mecanismo, criado com a nova Lei de Falências, em 2005, e que substituiu a antiga concordata — mais que quadruplicaram em janeiro deste ano em relação ao mesmo mês de 2008 e ainda é maior que o registrado no fim do ano passado, quando a turbulência já afetara a economia real. De acordo com levantamento da Equifax, o número de requerimentos no país pulou de 11, em janeiro de 2008, para 48, este mês (até o dia 29), uma alta de 336,36%.

O movimento é verificado nos principais Tribunais de Justiça (TJ) do país, segundo levantamento feito pelo GLOBO. No Rio, por exemplo, o total de empresas que entraram com pedidos de recuperação judicial e de falência chegou a 56 este mês (até o dia 30). O número é 330% maior em relação ao mesmo mês do ano passado, com 13. Em dezembro último, por exemplo, foram 26 companhias — menos da metade deste mês.

— O reflexo da crise na Justiça é um pouco mais lento. O empresário sempre leva mais tempo até chegar à Justiça. Por isso, os efeitos serão mais visíveis nos próximos dois anos. Em 2009, o número vai dobrar, já que este mês está muito forte. Além disso, a lei é nova e muitos nem têm conhecimento ainda — disse Márcia Cunha, juíza da 2ª Vara Empresarial do Rio.

A crise, no entanto, não escolhe tamanho.Grandes indústrias e empresas menores já sofrem com a falta de crédito no mercado e, por isso, estão com seu fluxo de caixa comprometido. Um exemplo é a concessionária Unik, a maior da Peugeot no Brasil, com seis lojas no Rio de Janeiro. No dia 15, a empresa — com mais de 300 funcionários — entrou com o pedido no TJ do Rio. Na última sexta-feira, a Justiça aceitou. E a empresa agora parte para reestruturação e negociação com os credores.

Caso semelhante é do restaurante Varanda 33, no Shopping Rio Sul. Com quatro décadas de existência e 85 funcionários, a rede alega que não obteve a liberação da antecipação dos recebíveis. Sem isso, na avaliação da Justiça, não há condição de se reerguer. César Amendolara, do Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados Associados, que cuida de dez casos de recuperação em São Paulo, ressalta que o principal motivo para a recuperação judicial é a falta de crédito no mercado.

— Há uma maior utilização do instrumento hoje. E isso é importante pois se evita a falência. O crédito é o pontochave, pois as vendas ainda não desaceleraram tanto a ponto de impactar a geração de receitas — diz Alcides Leite, coordenador do centro de conhecimento da Equifax.

Nos escritórios de advocacia, o número de empresas interessadas em entrar na Justiça com o recurso triplicou desde outubro de 2008. O escritório Barbosa, Müssnich & Aragão é um exemplo. Laura Bumachar, advogada especializada na área, analisa hoje o pedido de quatro companhias de diferentes setores para dar início ao pedido de recuperação:

— Há empresas que vivem rolando dívida.

Sem crédito, não há saída. A mudança na lei em 2005 foi muito importante, pois permite às companhias terem uma nova vida.

Empresas de varejo e de transporte irão à Justiça

O escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados também analisa dez pedidos desde novembro. Entre 2006 e 2008, antes da crise, foram apenas seis.

— O aumento recente é um indício de que esse movimento vai acontecer nos próximos dois anos — diz Sérgio Savi, da banca.

As empresas do setor automotivo, exportador e sucroalcooleiro serão as mais afetadas nos próximos meses, dizem os especialistas. Além disso, revelam fontes, uma grande rede varejista e uma companhia do setor de transportes devem entrar com pedidos na Justiça do Rio em breve.No setor aéreo, a paulista Pantanal já recorreu a esse mecanismo no fim de dezembro para tentar sobreviver, pois tem dívidas de R$ 13 milhões com fornecedores. A empresa de catering Sata ingressou com o pedido há menos de 15 dias.

A Aracruz, por exemplo, só não deu entrada no pedido de recuperação judicial, diz um executivo, porque foi comprada pela Votorantim no início da semana passada em uma operação que contou com a ajuda do BNDES.Segundo essa mesma fonte, investidores e parceiros da gigante de celulose já acionavam seus advogados, pois estavam preocupados com o desdobramento de uma possível recuperação judicial. A empresa não quis comentar.

O advogado Arnold Wald Filho, do escritório que leva seu nome, ressalta a importância do marco regulatório, pois hoje há a oportunidade de negociar uma solução no qual prevaleça os interesses sociais e do negócio:

— Com o plano sendo aprovado, todos saem ganhando. Com a nova Lei, o número de falências caiu drasticamente. Hoje, há uma crise mundial e as empresas saudáveis acabam sendo afetadas — diz ele, que cuida de vários casos, como o da concessionária Unik, no Rio.

Especialistas, no entanto, ressaltam que falta ainda muita informação. Como a lei é nova, empresas fora dos grandes centros ainda desconhecem a recuperação judicial. No TJ da Bahia, por exemplo, houve só dois casos no ano passado — um em outubro (de uma empresa de informática) e outro em novembro (de uma firma de turismo). O TJ de Minas espera grande volume a partir apenas dos próximos meses. Só na 2aVara de Falências, em São Paulo, por exemplo, o mês de janeiro registrou cinco casos. No mesmo mês de 2008, foram três pedidos.

Ao entrar em recuperação judicial, porém, as empresas adiam seus planos de investimentos. Ana Paula Araujo, advogada do escritório Lobo & DeRizzo Advogados, ressalta que o recurso acaba afugentando novos investidores: — Muitos investidores têm se mostrado preocupados, pois até o ativo dos sócios pode virar alvo dos credores como parte do plano de recuperação.

‘Toda semana um caso novo’, diz advogado

Apesar do crescimento no Brasil, o movimento é considerado pequeno se comparado a países como Estados Unidos. Desde que a crise se agravou, em setembro de 2008, alguns tribunais americanos chegaram a entrar com mil pedidos de recuperação por mês. O escritório ERS, especializado no assunto, prevê que o número de casos salte de 11, em 2008, para 40, este ano. Segundo Euclides Ribeiro Junior, sócio da empresa, no início de janeiro já foram três ações: a mineradora de ouro Morrinho, a Viana Trading e Alcopan, do setor sucroalcooleiro:

— O mercado de crédito secou há quatro meses. Com a baixa da maré, vamos ver os problemas. Culpa-se a gestão e os empresários. Mas não é falta de preparo e sim a piora de cenário. Os preços das commodities caíram e atingiram em cheio o setor de açúcar. Toda semana é um caso novo.

Segundo levantamento do GLOBO, já são seis grupos em recuperação desde novembro: além da Alcopan, integram a lista João Lyra, Naoum, Companhia Albertina, Agroindustrial Irmãos Zulli e o grupo fluminense Bezerra de Mello, dono das Usinas Barcelos, Carapebus e Cupim. Pelo menos outras seis empresas, segundo advogados, estão reunindo documentos para fazer o pedido à Justiça. Até produtores rurais do Mato Grosso conseguiram o pedido de recuperação judicial.

Advogados ressaltam ainda que empresas de brinquedos, da indústria têxtil e de cerâmicas também estão em dificuldades. A Cerâmica Chiarellis, que entrou com pedido de recuperação no fim de dezembro, diz que a decisão foi tomada “visando a manutenção dos negócios”. Na última quarta-feira, as paulistas Forjafrio, que produz peças para as fábricas de automóveis, e a Reformadora Americana de Pneus também recorreram aos tribunais. No Rio de Janeiro, uma pequena empresa, no Centro do Rio, que vende peças, também entrou com o recurso.

— Ninguém vai sair ileso. Todos serão afetados pela crise — diz a juíza Márcia Cunha.

A crise também já colocou ponto final para muitas empresas. A rede de material de construção Manoel Crispun, por exemplo, reconheceu falência este mês, pondo fim a uma história de quase 50 anos.

“O aumento recente das recuperações judiciais é um indício de que esse movimento vai acontecer nos próximos dois anos”

VOLTAR IMPRIMIR