23 de Dezembro de 2008 - 14h:47

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Crédito de fornecedores cresce após crise financeira

Por: Valor Econômico - Maria Christina Carvalho

O crédito obtido pelas empresas junto a seus fornecedores fluiu sem interrupção ao longo da crise internacional ao contrário do financiamento fornecido pelos bancos, que pisaram no freio. Enquanto os bancos fechavam as torneiras, os fornecedores mantiveram a prática de vender para faturamento em 30, 60 até 90 dias. 

No auge da crise financeira, entre setembro e outubro, a Harald Indústria e Comércio de Alimentos Ltda., uma das principais produtoras de doces, confeitos e coberturas do país, de Santana de Parnaíba (SP), viu vários fornecedores internacionais, especialmente da Malásia, onde compra alguns tipos de gordura, cortarem o crédito e exigirem pagamentos a vista. Mas, os fornecedores locais não suspenderem por um momento a prática do pagamento em até 90 dias das encomendas de leite, açúcar e cacau. 

A própria Harald dá crédito ao clientes para os quais vende, indústrias de doces, lojas de artigos de festa e distribuidores especializados, com faturamento médio em 35 dias. Esse prazo foi ampliado para os clientes de Santa Catarina, assolados pela chuva. "Adotamos uma ação proativa. Não adianta protestar porque a pessoa não consegue nem chegar no banco", disse o diretor comercial da Harald, Jacob Cremasco. 

A empresa de varejo de material de construção Dicico ganhou até mais prazo dos fornecedores durante a crise. "O varejo sempre mantém uma queda de braço com a indústria. Mas, com a retração da demanda, o varejista só está podendo comprar com um prazo extra", disse o presidente Dimitrios Markakis. O prazo de pagamento oferecido pelos fornecedores da Dicico varia conforme o produto mas, na média, é de 90 dias. Com o extra, está chegando a 120 dias e até a 150 dias. 

Os pequenos fornecedores, que dependiam de bancos médios e factorings para obter crédito, estão sendo ajudados pela própria Dicico depois que os limites foram cortados. "É um crédito mercantil reverso", disse Markakis, explicando que a rede compra seus próprios títulos com deságio antes do vencimento para dar liquidez ao fornecedor. "Como, para nós, nosso próprio risco é zero, ganhamos até um spreadzinho", afirmou o presidente da Dicico. 

Nesses tempos difíceis, o pedido de ajuda pode vir até do grande fornecedor multinacional. "Agora, no fim de ano, com a matriz pedindo dinheiro para fechar as contas, algumas multinacionais estão precisando recursos para remeter. A gente, então, adianta o pagamento de alguma duplicata", afirmou. 

Segundo Markakis, o crédito mercantil cresceu muito depois da crise internacional. "Só compramos do fornecedor que aumentar o prazo de pagamento. O varejo está com margem apertada e não dá para pagar juros. Não há hipótese de depender do crédito bancário". 

Estudo da Serasa baseado em levantamento feito nos balanços de 60 mil empresas, mostra que o crédito mercantil cresceu 177% entre 1966 e setembro passado, já descontada a inflação medida pelo IGP-M, atingido R$ 271,4 bilhões. No mesmo período, o crédito bancário cresceu 177%, chegando à marca de R$ 674,4 bilhões. 

As 60 mil empresas que fazem parte da amostra são responsáveis pela captação de 70% do crédito para pessoas jurídicas do mercado, informou o gerente da Serasa, Mário Torres. 

A partir de 2000, o crédito mercantil passou a representar mais de 30% do crédito tomado pelas empresas, de acordo com o levantamento. Naquele ano, as 60 mil empresas tomaram R$ 167,3 bilhões em crédito mercantil, 29,4% do total, e mais R$ 401,9 bilhões em crédito bancário. 

Com a elevação da taxa básica no período que antecedeu o primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva e algum período após a posse, o crédito mercantil, oferecido como se não incluísse juro, embora tenha um custo embutido, ganhou espaço. 

Em 2003, o crédito mercantil atingiu R$ 195,4 bilhões, representando 32% do total captado pelas 60 mil empresas, que obtinham outros R$ 413,7 bilhões dos bancos. O percentual do crédito mercantil chegou ao pico da década em 2005, quando atingiu 37,6% do total levantando pelas empresas, com a quantia de R$ 218,1 bilhões. 

A forte expansão do crédito bancário para empresas a partir de 2006 começou a ofuscar o crédito mercantil. O percentual do crédito de fornecedores no bolo total de recursos tomados pelas empresas declinou para 32% em 2006 e 32,5% em 2007. 

Isso coincidiu com a arrancada do crédito bancário, acompanhada da queda dos juros e do alongamento dos prazos. Nas empresas analisadas pela Serasa, o financiamento bancário subiu quase 40% em 2006, mais 8% em 2007, em termos reais. No mesmo período, o crédito mercantil cresceu 8,5% e 10,7% "Com a economia mudando de patamar, o risco caiu e o juro também, favorecendo a expansão do crédito bancário", disse Torres. 

Neste ano até setembro, o crédito bancário cresceu 23,5% enquanto o crédito mercantil aumentou apenas 3,3%, nas 60 mil empresas, representando apenas 28,7% do total de crédito levantado, o menor percentual em quase 10 anos. 

Mas, o analista da Serasa afirma que o cenário mudou drasticamente a partir do quarto trimestre. "A foto vai se reverter neste fim de ano. Com o crédito caro e escasso nos bancos, as parcerias entre empresas voltarão a se fortalecer", disse Torres. 

Mas, mesmo em épocas de bonança, o crédito mercantil tem seu espaço. "O crédito mercantil tem uma dinâmica própria, movida pelo interesse de venda das empresas", explicou. Os juros são embutidos embora empresas como a Dicico garantam que eles não são cobrados. Torres afirmou que é impossível saber qual é a média de mercado do juro do crédito mercantil porque os balanços não o revelam. Além disso, cada empresa cobra uma taxa. 

Por ter como alvo principal o financiamento das vendas, o crédito mercantil é sobretudo de curto prazo, estendendo-se em geral até 90 dias, disse Torres. O crédito mercantil de longo prazo, acima de 180 dias, é raro e uma das áreas onde é praticada é no setor de fertilizantes. Mas o volume é pequeno. Já os bancos migraram para o crédito de longo prazo, desde que com garantias reais. 

As operações de curto prazo representam 99% do total do financiamento mercantil e superam o crédito bancário de curto prazo. Com a redução do risco, o crédito bancário foi alongado. Em setembro, 67% do crédito bancário para empresas era de longo prazo; e o de curto prazo, representava 37% e 63% . O volume de crédito mercantil de curto prazo era de aproximadamente R$ 269 bilhões em setembro e o bancário, de perto de R$ 252 bilhões. 

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