23 de Dezembro de 2008 - 14h:46

Tamanho do texto A - A+

China e custos, as esperanças do campo

Por: Valor Econômico - Fernando Lopes

Ano novo, vida dura. Diante de tantas incertezas relacionadas à crise financeira e à desaceleração econômica globais, o agronegócio brasileiro tem, hoje, ao menos um consenso: terá em 2009 muitas dificuldades para vender seus produtos a preços remuneradores, ainda que todos os sinais apontem para uma significativa queda de custos capaz de beneficiar itens de maior valor agregado e até favorecer o plantio da próxima safra de grãos (2009/10). 

Mas será preciso atravessar as intempéries que ameaçam a demanda para que a oferta de fato ganhe impulso. No exterior, o problema que se aprofunda é que alguns dos principais mercados para o setor entraram em uma recessão sem hora marcada para terminar, que trava o crédito, restringe encomendas, ameaça energias alternativas e já derrubou os embarques nacionais. No país, onde o crédito também está escasso e caro, a questão é se o apoio do governo à comercialização será eficaz e se haverá crescimento e consumo suficientes para aliviar uma freada internacional mais brusca, tendo em vista que as margens nas cadeias agropecuárias mais importantes dependem das exportações. 

Pelo menos por enquanto, a equação está produzindo resultados negativos nas projeções oficiais. Sobretudo por prever preços menores, José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura, projeta a renda agrícola ("da porteira para dentro") das 20 principais lavouras do país em R$ 153,3 bilhões em 2009, 6,9% menos que em 2008 (R$ 164,6 bilhões). Célio Porto, secretário de relações internacionais do agronegócios do ministério, admite que os embarques totais do setor poderão recuar até 10%, ante os mais de US$ 70 bilhões esperados para 2008. Nessa frente, a queda poderá ser maior nas carnes, principalmente em decorrência da crise na Rússia. 

Como a renda agrícola calculada por Gasques permaneceu praticamente estável entre 2005 e 2006, a retração prevista para o ano que vem seria a primeira desde 2004. Se for confirmada a queda das exportações, será o primeiro revés em uma década. Cálculos conjuntos de Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Cepea/USP sinalizam baixa de 8,6% no valor bruto da produção agropecuária em 2009, para R$ 298,64 bilhões. Nesse caso, o efeito negativo no PIB do agronegócio, que em 2008 deve crescer ainda 8,6% - para R$ 698 bilhões, segundo CNA e Cepea -, parece inevitável. 

Diante das incertezas, são muitos os fatores que poderão levar a correções nesses números. Basta lembrar, por exemplo, que a projeção divulgada por Gasques em janeiro para a renda agrícola em 2008 sinalizava R$ 127,3 bilhões, R$ 37,3 bilhões a menos que o resultado final. A diferença pode ser explicada pelas disparadas de preços no primeiro semestre, que levou commodities como soja, milho e trigo a alcançarem picos históricos no exterior, que naquele momento de cotações já elevadas pareciam improváveis. 

O ministério e a CNA não são os únicos que vislumbram recuos. A RC Consultores prevê receita agrícola de R$ 161 bilhões em 2009, 3,8% menos que neste ano, e redução de quase 30% das exportações, principalmente por causa de tombos previstos para carnes, soja, açúcar, café e suco de laranja. Para o PIB da agropecuária, a RC estima para 2009 aumento de 1,5%, o menor desde 2005. 

Responsável por esses cálculos da RC, o economista Fabio Silveira reconhece que está entre os mais pessimistas quanto ao desempenho do agronegócio brasileiro no próximo ano. Para ele, não há entre as incertezas nada que tire o mundo do caminho da recessão em 2009, ainda que ele encare o segundo semestre com menos desesperança. "Minha expectativa é baixista para os preços agrícolas no mundo e no Brasil. As cotações internacionais de commodities como soja, milho e trigo estão acima das médias históricas, e essas médias poderão ser testadas novamente". 

Para os mais moderados, o jogo do setor dependerá de dois grandes fatores: China e petróleo. "A China é a grande incógnita. Havia no país uma sobra de poupança que estava sendo transferida aos EUA e que poderá se transformar em investimentos no próprio mercado chinês, aquecendo a economia. Mas não sabemos quais as indústrias que crescerão", diz Alexandre Mendonça de Barros, da MB Associados e do centro de estudos do agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Por ser a grande economia capaz de evitar a recessão mundial em 2009 e por liderar as importações agrícolas globais - e brasileiras -, a China é acompanhada de perto pelo setor, que tenta desvendar, muitas vezes sem sucesso, seus mistérios. A profundidade da desaceleração econômica no país é apenas um deles. Outro, também determinante para o futuro das cotações das commodities agrícolas, é o nível de estoques, que afeta diretamente o poder de barganha chinês na formação dos preços. 

Independentemente dos segredos chineses, Mendonça de Barros acredita que haverá algum aumento de renda nos países emergentes, o que é bom para o consumo de alimentos. "Mesmo no mundo rico, ainda que o PIB caia, o consumo de alimentos se mantém". A demanda por alimentos é pouco elástica, por isso é difícil acreditar em retração de volumes vendidos, ainda que a substituição de produtos mais caros por mais baratos seja uma tendência em tempos de crise - daí as cadeias produtivas de carne bovina estarem mais preocupadas que as do frango, e as do trigo mais que as do arroz. 

Vale notar, ainda, que 2008 foi um ano de disparada dos preços dos alimentos ao redor do mundo - por causa dos picos de cotações das commodities -, com consequências perversas sobretudo nos países mais pobres, onde a maior parte dos orçamentos é destinada à compra de comida. "Com a queda de preços já registrada nos últimos meses, boa parte da população que estava com problemas para comprar voltou ao mercado, e a tendência deve continuar no ano que vem", afirma Mendonça de Barros. 

Esse apetite não deverá ser suficiente, contudo, para que as cotações das commodities agrícolas subam significativamente no primeiro trimestre de 2009. Dependendo do desenvolvimento da crise global e das medidas que certamente continuarão a ser anunciadas pelos governos, com especial atenção ao de Barack Obama nos EUA, poderão inclusive ocorrer novas baixas, o que poderia desestimular o plantio no Hemisfério Norte, dono de quase 90% da produção mundial de grãos. 

Caso isso aconteça, o equilíbrio entre oferta e demanda de cereais estimado pela FAO (braço da ONU para agricultura e alimentação) nesta safra global 2008/09 ruiria. Pela primeira vez nas últimas quatro temporadas, e graças aos preços elevados do primeiro semestre deste ano, a FAO estimou uma oferta de cereais mais do que suficiente para atender à demanda. Para a temporada atual - em fase de colheita no Hemisfério Norte e de plantio no Hemisfério Sul -, a FAO projetou produção mundial de 2,242 bilhões de toneladas, 5,3% mais que em 2007/08. O cenário traçado pelo órgão também contempla um aumento nos estoques. 

Aí entra o petróleo, a outra grande peça do tabuleiro. Antonio Sartori, da Brasoja, é um dos que não acreditam que os preços do petróleo seguirão no baixo patamar atual, que inviabiliza muitos novos projetos de produção. E um petróleo mais caro, além de impulsionar as agrícolas nas bolsas, incentiva os biocombustíveis, o que também puxa as cotações de matérias-primas como soja, milho e etanol. Sartori atenta que a direção dos EUA nesse campo será vital, e que ela deverá ficar clara no tradicional discurso presidencial americano de fevereiro, que agora terá no púlpito Barack Obama, a nova esperança de ambientalistas. 

Com uma demanda de fato firme, sustentada pelos emergentes, é de se supor que as cotações das commodities ganhem um pouco de fôlego, principalmente a partir de meados de 2009. E, nesse caso, o plantio de grãos no Brasil poderá ser favorecido no ciclo 2009/10, semeado a partir do terceiro trimestre. Mas o impulso não depende só disso. Para analistas de grãos, tão importante quanto as cotações na semeadura da próxima safra é a comercialização da produção atual, plantada com os insumos nas alturas e com baixos preços de venda projetados. 

Apesar de todas as medidas de apoio à comercialização já anunciadas pelo Ministério da Agricultura, esses analistas esperam problemas pelo menos no início das vendas. Preços baixos de culturas como soja e milho (esse com gordos estoques no país), ainda que mantenham a inflação sob controle e ajudem os frigoríficos exportadores de carnes, poderão resultar em margens piores do que as estimadas, especialmente no Centro-Oeste. E daí cresce o risco de alta da inadimplência no crédito rural, retração ainda maior no crédito obtido junto a tradings e agroindústrias, pressão por renegociação de dívidas, concentração no campo. 

VOLTAR IMPRIMIR