11 de Dezembro de 2008 - 13h:47

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O uso da auto-regulação em benefício do investidor

Por: Valor Econômico - Luiz Roberto Calado

Está vivo em nossa memória o fato de os investidores e os participantes de fundos de pensão terem sido muito punidos nos escândalos financeiros de grande repercussão no passado recente como nos casos da Enron, WorldCom e Banco Santos. Diante da atual crise financeira e tomando como exemplo esse passado recente, a adoção de regulações mais efetivas surge como um dos possíveis caminhos para minimizar tais riscos. 

As últimas décadas foram marcadas por mudanças políticas, econômicas e sociais. A necessidade de adaptação a esse contexto implica a busca de alternativas para o "status quo" de organização da sociedade. Quanto à administração pública, itens predominantes da agenda política de diversos países foram propostas de reforma do Estado, preponderantemente focadas na mudança do seu papel na economia. Observou-se a redução do grau de participação estatal enquanto produtor de bens e serviços passando a atuar como regulador. 

Num segundo momento, entendeu-se que a intervenção do governo na economia (ou regulação) deveria ser a menor possível. Como conseqüência, podemos concluir que a crise econômica e financeira que se apresenta agora teve seu advento facilitado pelo recente período de desregulamentação que a antecedeu. 

A função de uma organização auto-reguladora envolve complementar a ação reguladora do poder governamental, numa iniciativa patrocinada pelos próprios participantes dos mercados, os quais unem esforços para estabelecer padrões diferenciados para suas operações. Não é o cerceamento ou substituição da capacidade de o governo regular mercados. Pelo contrário, é uma proposta de trabalho em conjunto que, em última análise, visa exatamente proteger o patrimônio dos investidores. 

Neste contexto, um tema que vem ganhando importância é o papel do auto-regulador vis-à-vis o do regulador. Dois vetores fazem com que a auto-regulação, conforme modelo adotado no Brasil, tenha custos comparativamente inferiores e seja eficiente: há um conhecimento mais íntimo das atividades reguladas e aceitação maior das normas. Uma entidade auto-reguladora ao obter adesão dos participantes do mercado está mais próxima das atividades que se propõe a regular. Portanto, dispõe de maior sensibilidade e destreza para avaliar as condições e age com custos mais moderados e com um maior grau de previsibilidade. 

Além disso, a elaboração e estabelecimento pela própria comunidade das normas que a disciplinam fazem com que aumente a aceitação dessas normas concomitantemente a uma maior responsabilidade no cumprimento e redução da necessidade de intervenção do órgão regulador. 

Uma abordagem bastante defendida rege que a regulação do mercado deve fornecer o arcabouço básico dentro do qual se dá o relacionamento entre os diversos participantes, regulando o que pode ser denominado macroambiente. À auto-regulação cabe normatizar pormenores do processo, ou o microambiente. 

Exemplo recente dos benefícios ao investidor deste diálogo entre entidades reguladoras e auto-reguladoras foi o desenvolvimento de certificação profissional para atividades do mercado de capitais. Os órgãos reguladores - neste caso o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - determinaram a necessidade das instituições financeiras certificarem seus profissionais, enquanto as entidades representativas do mercado delinearam os pormenores destas certificações, seu conteúdo programático e forma de avaliação. 

Na prática, tal exigência levou mais de 200 mil profissionais do mercado financeiro a se preparem para obter aprovação nos exames de certificação. Parece racional supor que o resultado para o investidor se traduz num atendimento por profissionais em melhores condições para informar as alternativas de investimentos existentes e os seus riscos associados. 

Por fim, cabe atentar para o fato de que a auto-regulação não deve ser vista como a resposta para todos os problemas enfrentados pelo segmento financeiro. Da mesma forma, não há um modelo padrão de auto-regulação para ser replicado em quaisquer setores. A escolha de um modelo apropriado deve levar em consideração a natureza do segmento de mercado que se propõe a regular, bem como os principais riscos para os stakeholders envolvidos. 

Neste contexto, o modelo de auto-regulação e regulação no Brasil pode ser usado como ótimo exemplo de interação bem-sucedida entre os participantes do mercado financeiro e de capitais. Oxalá esta experiência motive a adoção da auto-regulação em outros segmentos ou mesmo em outros países, gerando benefícios para clientes de diversos setores. 


Luiz Roberto Calado é presidente da Comissão Técnica do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF-SP) e gerente de Certificação da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) 

E-mail: lrcalado@usp.br 

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