01 de Dezembro de 2008 - 15h:05

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Perdeu? Mantenha o sangue congelado

Por: Valor Econômico - Adriana Cotias

"Venho aplicando há mais de cinco anos na Bovespa e não realizei nada quando começou a crise, mas meu sangue não aguenta mais ficar congelado. Toda minha reserva está aqui, e estou completamente confuso." Esse é o desabafo de um leitor que de junho para cá viu seu investimento na bolsa encolher quase 60%, de R$ 600 mil para R$ 247 mil. Atropelado pela crise originada nas hipotecas americanas de alto risco e na alavancagem do sistema financeiro global, ele tem dúvidas se o seu portfólio está bem distribuído, se deve fazer alterações agora, realizar prejuízos ou esperar a recuperação do mercado. 

A carteira inclui ações ordinárias (ON, com voto) da Usiminas e do Banco do Brasil, as preferenciais (sem voto) da Petrobras e do Itaú, além de Vale PNA. Em fundos, o dinheiro está distribuído em carteiras de dividendos, siderurgia, Ibovespa ativo e no IBrX. Ou seja, 100% em renda variável. Da mesma forma que o desacorçoado investidor, muitos aplicadores mais ou menos novatos da bolsa - que só tinham visto o Ibovespa subir entre 2003 e 2007 (foram quase 220%) - agora olham o leite derramado com angústia e se perguntam o que fazer. 

É claro que olhando o período mais recente, houve perda do poder de compra do investidor, mas o primeiro passo, aconselha o consultor de investimentos Paulo Bittencourt, é rebobinar a memória para cinco anos atrás, quando o aplicador tomou a decisão estratégica de constituir uma reserva de longo prazo. "O que deveria estar implícito nessa decisão é que ele já tinha visto alguns momentos de depressão de preços, pois no longo prazo, cinco meses de bolsa para baixo é exceção." Supondo que os aportes tenham sido feitos aos poucos e a carteira tenha um prazo médio de três anos, o investidor muito provavelmente ainda está no lucro, considerando-se que, de 2005 para cá, o Ibovespa acumula valorização nominal de mais de 60%, bem mais do que o juro real. 

É hora, porém, de avaliar se alguma das empresas que tem no portfólio está com problemas, se perdeu, por exemplo, dinheiro com aplicações em derivativos, que fogem da simples política de "hedge" (proteção) ou da atividade principal, alterando de forma importante os fundamentos da companhia. Entre aquelas da carteira que têm as melhores perspectivas de retorno em dividendos, valeria até, desde que não comprometesse o fluxo de caixa, adquirir mais ações, acrescenta Bittencourt. Com as cotações no chão, seria a forma de aproveitar a rentabilidade automaticamente amplificada com a distribuição de resultados. O especialista ainda sugere que o investidor pondere se uma determinada empresa que perdeu metade do seu valor de mercado nos últimos meses terá queda equivalente do lucro em 2009. Se não é esse o caso, há um claro exagero na precificação, que tende a ser corrigido no decorrer do tempo. 

Se quem vivenciou os últimos anos na bolsa sem aproveitar os momentos de alta para embolsar parte dos ganhos e rebalancear a carteira, não há muito o que fazer agora, diz o consultor de investimentos da Fundação CEEE de Seguridade Social, Bernardo Fonseca Nunes. "Nos tempos da bonança, as corretoras esqueceram de dizer que não se deve ter todo o patrimônio em renda variável, ninguém vendeu outras formas de investimento como o Tesouro e esses aplicadores também não sabiam trabalhar com proteção." 

Menos pior para quem tem "blue chips" em carteira, pois quem esteve nos últimos 12 meses investido em "small caps" (empresas de baixa capitalização) está amargando perdas da ordem de 70%, 80%. São feridas difíceis de cicatrizar. "Do ponto de vista das finanças comportamentais, as duas piores sensações são a aversão à perda, de se desfazer de uma posição que deu prejuízo, e a perda de 'status quo', de efetivamente ter a sua riqueza reduzida", acrescenta Nunes. 

Os cinco anos de alta do Ibovespa fizeram com que o investidor brasileiro fosse tomado por um excesso de confiança, imputando a si mesmo o sucesso, diz Aquiles Mosca, autor de Finanças Comportamentais - Gerencie suas emoções e alcance sucesso nos investimentos. "Isso fez com que os aplicadores passassem pela crise com 70%, 80% da carteira em ações, com uma exposição acima da sua tolerância ao risco", afirma. "Agora, que ele foi pego no contrapé, atribui as perdas a um fator aleatório, que está fora do seu controle." 

Adriana Cotias é repórter de Investimentos. 

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