18 de Novembro de 2008 - 14h:16

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Açúcar e álcool são os paradoxos da crise

Por: Gazeta Mercantil - Luiz Silveira

Empresário tradicional do setor sucroalcooleiro, Maurílio Biagi Filho já viu crises piores que a atual assolarem suas usinas. Mas não é só pela experiência que o usineiro acredita que o setor de açúcar e álcool tem bons fundamentos para enfrentar a crise de crédito. É também pela capacidade de traçar cenários precisos para o futuro.

Essa capacidade rendeu a Biagi uma cadeira no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão consultivo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

É de se esperar um tom otimista de um conselheiro direto do presidente. Mas Biagi é contundente em afirmar que o cenário de restrição de crédito afeta seu setor e que, ainda assim, os mercados de açúcar e álcool têm perspectivas tão boas que podem garantir o capital de giro de que o setor precisa.

De seu escritório em Ribeirão Preto (SP), Biagi controla hoje uma produção de 13 milhões de toneladas de cana por ano, divida entre sua usina Moema e outras seis nas quais sua holding tem participações.

Gazeta Mercantil - Como a retração do crédito está atingindo as usinas do País?

A crise atinge igualmente todos os segmentos da economia. No caso do setor sucroalcooleiro, vínhamos de dois anos difíceis, embora a sociedade não tivesse essa percepção. Mas hoje temos fundamentos positivos, porque os preços dos nossos produtos estão muito melhores que dois anos atrás. Tanto que apenas uma empresa do setor entrou em recuperação judicial este ano. Em cenários de crise, é natural que as companhias que já estavam mal das pernas sofram mais.

Gazeta Mercantil - Mas a falta de crédito não está afetando os projetos de expansão do setor?

Das 32 usinas previstas para entrar em operação neste ano, 29 já entraram. E as que não começaram a funcionar tiveram atrasos que nada tem a ver com a atual crise. Entre o planejamento e a execução da obra, vão cerca de cinco anos. Não há ponto de retorno nem mais para os projetos previstos para começar a operar em 2009 também.

Gazeta Mercantil - Já há capital garantido para os projetos que entrariam em operação em 2009?

Com capital garantido ou não, são cerca de 30 novas usinas que devem começar a funcionar no ano que vem. São projetos que já não podem parar. E mesmo supondo que alguns projetos possam ser adiados, o cenário para os preços do açúcar e do álcool ficam até melhores.

Gazeta Mercantil - Esperava-se uma alta do álcool, que não ocorreu. Isso já é um reflexo da crise?

Temos baixos estoques de álcool, e os preços vão subir. Só não subiram significativamente ainda porque a retração dos bancos no mercado de crédito levou algumas usinas a vender estoques em um ritmo acelerado para gerar caixa rapidamente. Os preços já estão subindo para o consumidor, e vão começar a subir para os produtores com o fim da safra. No mercado externo, então, não podemos exportar mais nada.

Gazeta Mercantil - As exportações de etanol podem parar de crescer?

No ano que vem, o Brasil poderá exportar só 3,5 bilhões de litros de álcool, ou seja, cerca de um bilhão a menos que neste ano. Isso vai acontecer porque, mesmo considerando essas usinas que entram em operação agora, a demanda interna está muito aquecida.

Gazeta Mercantil - A demanda por açúcar e álcool pode cair em um cenário de recessão?

Nossos produtos não têm crise de demanda. Enquanto a indústria automobilística e os bancos enfrentam esse tipo de problema, as perspectivas para açúcar e álcool são excelentes. Brinco que, quanto maior a crise, mais as pessoas ficam nervosas e mais elas comem. O que acontece é que a produção mundial de açúcar é cinco milhões de toneladas menor que a demanda, por isso a tendência de preços é ótima.

Gazeta Mercantil - E quanto ao álcool?

O etanol ainda não é uma commodity. Estamos fazendo uma força imensa para que isso aconteça, mais ainda não ocorreu. Por isso, o Brasil é um exportador spot, ou seja, só oferece no mercado externo o seu excedente de produção. Nesse sentido, é o mercado interno que sustenta o setor e motiva os novos projetos. Por isso digo que, se os projetos de expansão do setor fossem prejudicados, e as novas usinas não entrassem em operação, o cenário ficaria melhor ainda.

Gazeta Mercantil - Se o cenário para o etanol é bom, como é panorama para as cotações do açúcar?

O preço do açúcar no mercado interno está estável em um patamar razoável. E o cenário internacional é muito bom. Tanto que o açúcar foi a commodity que menos caiu no mercado internacional, porque a demanda mundial é hoje quase cinco milhões de toneladas maior que a produção.

Gazeta Mercantil - A desvalorização dos ativos é um problema?

Ao mesmo tempo em que os ativos se desvalorizam, os produtos finais do setor estão em alta. Se a alta do dólar eleva as dívidas que as usinas têm em moeda estrangeira, por outro lado também aumenta os preços dos produtos. Uma compensa a outra.

Gazeta Mercantil - A queda no valor das usinas pode gerar uma nova onda de aquisições?

Toda crise é oportunidade. E não apenas para fusões e aquisições, mas também para rearranjos importantes, especialmente no sentido do ganho de escala dos negócios. O meu rearranjo fiz em 1997, quando o Bradesco entrou como meu sócio, pouco antes da crise pela qual o setor passou em 1998 e 1999. Aquela crise foi muito pior, quando houve os primeiros arranjos entre as empresas do setor. A crise só precipita, funciona como um catalisador.

Gazeta Mercantil - Um desses arranjos recentes foi a fusão entre Santa Elisa e Vale do Rosário, que formou um grupo controlador da Crystalsev. Isso deturpou o sentido original da trading?

O fato de passar a ter um controlador foi uma grande mudança para a Crystalsev [trading mantida em sociedade por 17 usinas]. Mas a Crystalsev continua prestando seus serviços, muito importante para os meus negócios e para o setor. Hoje, se Crystalsev, Copersucar e Cosan sentam à mesa, são quase 90 usinas se falando.

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