14 de Outubro de 2008 - 13h:55

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O Judiciário e o código de ações coletivas

Por: Valor Econômico - Dimas Alberto Alcantara

Com um atraso de quase duas décadas, o Ministério da Justiça anuncia estudar e debater alterações nas leis que regem as ações coletivas, prometendo definir novas regras em breve. A promessa envolve várias vertentes de discussões que podem ser enquadradas em uma proposta única, inicialmente avaliada pelo ministério, que sugere a criação de um código de ações coletivas. 

Esse texto, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhado ao Ministério da Justiça em 2006, é tido como superado pelas autoridades incumbidas de levar avante essas importantes mudanças. Elas entendem ser mais adequadas aos propósitos de agilizar a prestação jurisdicional em matérias dessa natureza apenas alterações pontuais no Código de Processo Civil. Quando muito, reunidas em uma lei específica, a ser juntada à colcha de retalhos hoje existente. Em síntese, caem por terra esforços de profissionais do direito e de entidades representativas de diversas atividades econômicas, que sonharam e pleitearam dotar o Brasil de uma legislação similar à da "class action" americana, reconhecida como parâmetro exemplar para a tão almejada dinamização e modernização dos processos coletivos e da Justiça brasileira como um todo. 

No entender do Ministério da Justiça, o país "não tem cultura para isso". Por essa interpretação, arcaica e completamente destoante da idéia do Brasil grande e moderno, devemos todos nos contentarmos com migalhas, como, aliás, a nação vem fazendo até agora. E o resultado aí está, com uma enorme, dispendiosa e pouco produtiva máquina judiciária sufocando direitos, privilegiando castas e só agora começando a ficar exposta aos olhares e críticas da sociedade. 

O texto original do código de ações coletivas proposto incluiria qualquer pessoa física - do povo, portanto - como parte legítima para pleitear a defesa de interesses difusos, desde que o juiz reconhecesse representatividade adequada ao pleiteado. Abriria-se, com isso, um universo até hoje vedado ao cidadão comum, consumidor e usuário de serviços públicos e até privados monopolizados. É justamente o que parece atemorizar as autoridades responsáveis pela reforma o ponto que nos aproximaria da "class action" americana, para a qual não temos cultura suficiente. 

Para os que desconhecem os meandros jurídicos, nunca é demais ressaltar que essa ferramenta legal permite a uma única parte ajuizar uma ação que, quando julgada, poderá ter seus efeitos estendidos a todos os interessados em situação semelhante. Ou seja, um verdadeiro espantalho para setores da sociedade brasileira que aceitam e até compactuam com empresas milionárias e monopolistas que dominam inúmeros setores de atividades, alguns fundamentais para os demais setores, como telecomunicações, construção pesada, transporte aéreo e outros serviços coletivos. Nos Estados Unidos, a "class action" transformou-se justamente nesse espantalho para toda a sorte de empresas que descumprem contratos e desvirtuam propósitos adrede estabelecidos com seus parceiros de negócios, geralmente da comunidade, anônimos e privados de qualquer poder, além da efetiva prestação jurisdicional. Naquele país, consumidores e pequenos investidores lesados pelas empresas nas quais aplicam seus recursos ajuízam ações individuais em defesa de seus direitos. Um único advogado pode assumir a causa de vários clientes e ajuizar uma única ação para resolver a questão. Julgadas e tidas como procedentes, essas ações atingem todos os interessados e geram muitas vezes indenizações milionárias. 

Hoje, no Brasil, sem a possibilidade de recorrer a ações civis públicas, resta aos consumidores e pequenos investidores o recurso ao Ministério Público, à Defensoria Pública ou a entidades representativas, estas nem sempre dispostas ou interessadas em enfrentar litígios que se anunciam como verdadeiros embates entre Davi e Golias. 

É importante ressaltar que, dentre o pólo passivo de ações coletivas, encontram-se inúmeras teses ou ilegalidades emanadas de autarquias ou mesmo da União, tais como impostos, taxas e contribuições invariavelmente inconstitucionais e/ou ilegais, sendo elas, nesse diapasão, as grandes vilãs desse tipo de ação. Talvez por isso o desinteresse em trabalhar em um código amplo e de maior visibilidade, onde reside exatamente o estrangulamento da máquina judiciária - ou seja, o excesso de demanda da mesma espécie -, pois é sabido que o pior pagador é o governo, incluindo-se aí os Estados, que ainda utilizam mecanismos medievais para receber seus débitos. Por outro lado, independentemente do ressarcimento pecuniário, legítimo, diga-se de passagem, tal abertura implicaria incontestável democratização do acesso à Justiça, redução no tempo em que demoram os julgamentos e importante ferramenta para brecar a avalanche de processos que entopem as diversas instâncias do Poder Judiciário brasileiro. 

Dimas Alberto Alcantara é advogado tributarista 

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