13 de Outubro de 2008 - 13h:30

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O STF e a prescrição de créditos tributários

Por: Valor Online - Alessandro Alberto da Silva

O prazo prescricional para ações em face da Fazenda pública foi estabelecido pelo Decreto nº 20.910, de 1932, que o fixava em cinco anos. Trinta e quatro anos depois, o Código Tributário Nacional (CTN) disciplinou a matéria no artigo 150, parágrafo 4º, no artigo 174 (prescrição) e nos artigos 168 e 173 (decadência). O CTN não emprega a prescrição ou a decadência isoladamente, fazendo a distinção pela natureza dos efeitos de cada um. Ou seja, decadência como a perda do direito em si, e prescrição como a perda do direito de ação. O prazo é de cinco anos, através da conjugação do artigo 150, parágrafo 4º, e do artigo 168, inciso I do CTN; e de dez anos para a repetição do indébito - comumente chamado de cinco mais cinco - ou até igual período para a cobrança judicial, em se tratando de crédito constituído em lançamento de ofício, no qual a autoridade fazendária lança o tributo não confessado pelo contribuinte. 

O CTN foi recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1988. Isso tem conseqüências, ainda que os prazos previstos no CTN não tenham se alterado. A lei complementar requer necessidade de maioria absoluta para sua aprovação e reveste-se de caráter especial no que diz respeito à segurança jurídica, evitando que eventuais mudanças de composição das casas legislativas impliquem alterações a cada legislatura em qualquer assunto. Ou seja, conferiu estabilidade à lei. 

Ainda que o CTN tenha estabelecido claramente a questão prescricional, uma lei ordinária - a Lei nº 8.212, de 1991 -, nos artigos 45 e 46, veio a conceder o longo prazo de dez anos para a constituição dos créditos previdenciários. Entretanto, após uma longa batalha judicial, foi declarada inconstitucional pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na argüição de inconstitucionalidade ocorrida no julgamento do Recurso Especial nº 616.348, de Minas Gerais, e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 556.664, do Rio Grande do Sul. Ou seja, impôs-se o respeito aos cinco anos do CTN (lei complementar) e defenestrou-se o prazo de dez anos da lei ordinária. 

O efeito veio a galope com a edição da Súmula Vinculante nº 8 pelo Supremo. Trata-se de um instituto novo em nosso direito, criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que acresceu o artigo 103-A à Constituição. A súmula vinculante representa uma decisão cristalizada à qual se vinculam as demais decisões e também a administração pública direta e indireta, cabendo, em caso de descumprimento, até reclamação direta ao Supremo. 

Ao dizer textualmente que "são inconstitucionais os parágrafos único do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.569, de 1977, e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário", não resta dúvida: os créditos tributários constituídos no prazo elástico disposto na Lei nº 8.212 são inconstitucionais. Não podem ser cobrados em qualquer instância em que se encontrem. O efeito da súmula vinculante é imediato, não havendo referência à sua postergação, como poderia haver, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 11.417, de 2006. 

Cabe frisar que a decadência é matéria de direito público, argüível em qualquer instância e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, quando prevista em lei, conforme o artigo 210 do Código Civil. Assim, os tributos cuja constituição foi feita sob as asas da decadência podem ser prontamente desconstituídos se a cobrança estiver ajuizada ou cancelados pela administração, em obediência à súmula vinculante. 

O que se pode questionar é se débitos de natureza previdenciária são atingidos pela súmula. A resposta é negativa, pois o que atinge a constituição do crédito tributário e a ação própria para sua cobrança pelo aspecto temporal é, respectivamente, a decadência e a prescrição. Um qüinqüênio é o mesmo espaço de tempo, seja para crédito tributário de natureza previdenciária ou não. 

Por outro lado, entendemos não ser necessário uma resolução do Senado Federal, prevista no artigo 52, inciso X da Constituição, para suspender a eficácia dos artigos enumerados na súmula vinculante em questão. Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade do prazo de dez anos, por afronta à competência própria de lei complementar - segundo o artigo 146, inciso III, alínea 'c' da lei fundamental -, a aplicação deve ser imediata porque advinda de súmula vinculante. Não há antinomia entre o artigo constitucional que prevê a expedição de resolução do Senado com o que dispõe sobre a súmula vinculante. 

A contagem do prazo qüinqüenal, em face da natureza do lançamento, pode ser de ofício ou por homologação? Ao que tudo indica, pelas manifestações prévias da Fazenda Nacional e diante das decisões dos tribunais, em caso de pagamento antecipado mas parcial, o direito de lançar contar-se-á a partir do fato gerador, na forma do artigo 150, parágrafo 4º do CTN. Sem pagamento algum, será contado na forma do artigo 173, inciso I do CTN, ou seja, desencadeia o prazo prescricional a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele que o tributo poderia ser exigido. Para tributo informado na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) ou Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), há uma particularidade: a jurisprudência tem entendido que, em tributos cujo valor é informado em obrigações acessórias, dispensa-se o processo tributário administrativo, admitindo-se a remessa da informação à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para inscrição em dívida ativa e execução. Nesse caso, se a declaração ocorrer antes do vencimento do tributo, a prescrição conta-se do vencimento da obrigação tributária principal. Se a declaração for depois do vencimento, a prescrição se dará a partir do cumprimento da obrigação acessória, ou seja, da entrega da DCTF ou da GFIP. 

Ao que tudo indica, a contagem do prazo não será linear, excluindo todo o crédito tributário com mais de cinco anos de ocorrência do fato gerador. Obedecerá ao modo de lançamento, ainda que tal sistemática suscite dúvidas e não permita a exata conta de cinco anos, como no caso de tributos não pagos e nem mesmo informados em DCTF ou GFIP. Resta à PGFN fazer uma revisão dos tributos em cobrança. É melhor uma execução sem máculas quanto a prazos prescricionais ou decadenciais do que enfrentar essa discussão no curso do feito judicial, em estéril debate, sem nenhuma contribuição à celeridade processual. 

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