06 de Outubro de 2008 - 14h:13

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Clima sob holofotes em safra de crédito e margens apertados

Por: Valor Econômico - Patrick Cruz

A oferta mais restrita de crédito aos produtores rurais, o receio de margens negativas - conseqüência do aumento do custo dos insumos e o recuo dos preços das commodities no mercado internacional - e o ritmo mais lento de comercialização da safra devem amplificar as atenções às condições climáticas na safra 2008/09. Em uma safra já considerada de alto risco, os olhos dos agricultores estarão ainda mais voltados para o céu. 

Um regime de chuvas sem sobressaltos deverá ser ainda mais decisivo nesta safra, afirmam técnicos e analistas. Um mínimo de umidade acima ou abaixo do previsto poderá determinar se o ciclo será ou não remunerador e, com isso, dará o norte também para o financiamento da safra 2009/10, já tida como de crédito apertado por conta da crise atual. 

Os preços das principais commodities agrícolas permanecem bem acima das médias históricas, mas têm recuado gradativamente nos últimos meses. Em setembro, a cotação média dos contratos de soja de segunda posição de entrega na bolsa de Chicago (normalmente os mais negociados) caiu 7,59%, para US$ 11,8430 por bushel, segundo o Valor Data. 

Os preços estão em queda e os custos permanecem elevados, em particular os dos fertilizantes, que acompanham a cotação do petróleo. Segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea) até o último dia 20, os volumes comprados para o plantio de soja no Estado corresponderam a 340 quilos por hectare, quando seriam necessários pelo menos 450 quilos. Cotações do grão em queda e insumos em alta, com a conseqüente redução do uso dos fertilizantes, têm feito os produtores temer margens negativas. 

Com uma base tecnológica menor, preços das commodities agrícolas mais baixos e menos crédito, portanto, o fator clima ganha mais holofotes. "Esta vai ser uma safra complicada, que não permitirá desvios. O fator climático será decisivo", afirma Fernando Muraro, analista da Agência Rural. "Será uma safra de tirar o sono". 

Um alento aos produtores é que as perspectivas de clima sem grandes surpresas têm sido dominantes. Na sexta-feira, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em seu Boletim Agroclimático de Avaliação dos Impactos na Cultura, informou que, neste trimestre, as regiões Centro-Oeste e Sudeste terão chuvas com volume entre normal e pouco acima da média histórica. 

Para a Conab, é "o primeiro indício de uma boa safra", já que o bom clima que se espera indica que não haverá atraso no plantio. As informações sobre o impacto climático serão apresentadas na quarta-feira, no primeiro levantamento sobre intenção de plantio da Conab na safra 2008/09. 

Técnicos e analistas não são mais tão enfáticos sobre o desempenho excepcional que este ciclo teria quanto eram há alguns meses. Com menos crédito, comprou-se menos adubo. Com menos adubo, a produtividade tende a cair. Produtividade menor, por sua vez, pode anular o projetado aumento de área de plantio de grãos, que encerrou a safra 2007/08 com área total de 47,3 milhões de hectares no país, de acordo com a Conab. 

No caso da soja, a projeção da Agência Rural é de produtividade entre 50 e 52 sacas por hectare em Mato Grosso, o maior produtor do grão do país. "Um novo recorde de produtividade, acima de 52 sacas, está descartado", diz Muraro. Os técnicos da empresa estão no campo para elaborar sua primeira estimativa de plantio, que será apresentada no próximo dia 15. 

Como o uso de fertilizantes está menor, técnicos e agrônomos não compartilham opiniões sobre plantio. Há quem prefira indicar a semeadura em áreas maiores e praticamente sem adubo e há quem sugira a escolha dos melhores talhões das propriedades para que o plantio seja feito neles - e com o pouco fertilizante disponível. "Tem gente indicando o plantio sem adubo. Isso é loucura. É preferível plantar um pouco menos, mas fazer uma lavoura tecnicamente correta", avalia Cesário Ramalho da Silva, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). 

A crise atual tem feito ressurgir o tema dos subsídios à agricultura. "Nos Estados Unidos, 20% da renda dos agricultores vem de subsídios. Na Europa, é de até 70%, no Japão, de 58%, e na China, de 15%. O Brasil, além de não subsidiar a atividade, ainda pune o produtor", disse, em entrevista recente ao Valor, Rui Prado, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). 

Na última quarta-feira, o governo anunciou a liberação antecipada de R$ 5 bilhões em linhas de crédito do Banco do Brasil aos produtores para o custeio da safra 2008/09. Foi um bom refresco no mercado, mas, segundo dirigentes do setor, pode ter chegado tarde demais para muitos agricultores. 

Caso, por exemplo, dos produtores de Mato Grosso que cultivam as variedades de soja precoce, plantada a partir de 15 de setembro. "De 10% a 12% da área da soja no Estado é semeada no período da segunda metade do mês. Para esse pessoal, a antecipação veio tarde", afirma Luciano Gonçalves, consultor técnico da Famato. Algumas estimativas apontam aumento de 3% a 5% da área de soja no Estado, que ocupou 5,7 milhões de hectares na safra 2007/08, segundo a Conab. 

Um bom regime de chuvas deve ser mais decisivo no Estado por alguns motivos. Lá, o plantio de soja é dominado por grandes produtores, que não se beneficiam tanto do crédito público quanto os do Sul do país, de menor porte. As tradings, ressabiadas, reduziram drasticamente a oferta de crédito, pela qual respondiam com mais de 50% do total. Com menos dinheiro, os produtores mato-grossenses municiaram-se com menos adubo, justamente em uma região de solo mais pobre se, mais uma vez, a comparação for feita com a agricultura do Sul do país. 

Dados da Agroconsult mostram que, na safra 2008/09, 34% da safra de soja em Mato Grosso será financiada por tradings e 29% por recursos dos próprios agricultores - na safra 2007/08, as divisões haviam sido de 53% e 14%, respectivamente. "Neste ano, a situação do crédito piorou ainda mais o que já estava ruim", diz André Pessoa, da Agroconsult. 

O aperto na oferta de crédito não quer dizer que ele inexiste. Antônio Carlos Ortiz, chefe de "rural banking" do Rabobank, afirma que a instituição pretende manter em curso seu projeto de ampliar a oferta de linhas de financiamento rural para R$ 1,6 bilhão até o fim de 2009. "Entramos há pouco tempo na oferta de crédito para produção, mas devemos continuar crescendo", afirma. O produtor ainda tem alternativas, apesar do crescimento das restrições. Enquanto isso, mantém o olho no céu.

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