01 de Fevereiro de 2007 - 15h:30

Tamanho do texto A - A+

Desoneração e crescimento econômico

A desoneração da folha de pagamentos traria benefícios como a formalização de empregos e salários.

Por: Valor OnLine

Passada a disputa eleitoral, nenhum dos candidatos apresentou um plano claro e objetivo de desenvolvimento para o Brasil capaz de gerar a retomada do crescimento econômico. É imperioso atingirmos um crescimento de 5% a 7% do PIB anual, bem como garantir o aumento de emprego, melhoria de infra-estrutura, simplificação do sistema tributário e diminuição da carga de impostos. Estas são aspirações de toda a sociedade brasileira, que busca por um Brasil mais competitivo internacionalmente.

Com o intuito de colaborar com as entidades governamentais, desde o ano de 2000 a Confederação Nacional de Serviços (CNS) e a Federação de Serviços do Estado de São Paulo (Fesesp), com o apoio de todas as entidades por elas congregadas, vêm realizando estudos encomendados à Fundação Getúlio Vargas (FGV) visando a substituição do percentual de 20% de INSS patronal sobre a folha de pagamentos por uma Contribuição sobre Movimentação Financeira (CMF).

À primeira vista, esta proposta pode parecer indesejável para alguns setores governamentais, empresariais e, principalmente para alguns economistas, não quanto ao aspecto da desoneração da folha de pagamentos, mas sim quanto ao uso da CMF para substituir a contribuição à Previdência Social. Tributo sobre movimentação financeira carrega a mácula de ser cumulativo, prejudicando assim setores de cadeias produtivas longas, que teriam seus produtos finais onerados em função de um suposto aumento de carga tributária.

Outro argumento geralmente usado contra a CMF é o de que, com uma alíquota alta, haveria tendência de pagamentos e intermediações comerciais não serem efetuados pelo sistema bancário, fazendo a economia regredir ao pré-histórico sistema comercial baseado no escambo.

O estudo da FGV, baseado em dados oficiais do governo publicados pelo IBGE, referentes a 2003, desmistifica todos estes aspectos negativos. Fica comprovado que, aplicando-se uma alíquota de CMF de 0,80% para cobrir a atual arrecadação do INSS, haveria como resultado macroeconômico um aumento do PIB de 1,1%, uma elevação na taxa de emprego de 1,4% e, na demanda agregada, de 0,6%. Outros resultados identificados no estudo revelam que a medida ainda diminuiria vários índices inflacionários: IPC de 0,80%, IPA de 1,15% e IGP de 1,0%, como pode ser constatado na tabela ao lado, que mostra o resultado de algumas simulações. O estudo ainda demonstra que dos 42 setores econômicos listados pelo IBGE, 40 teriam diminuição de carga tributária.

Com relação à possibilidade de evasão de arrecadação, cabe lembrar que o sistema bancário brasileiro é o mais bem informatizado do mundo e que através dele são executadas praticamente todas as transações comerciais, de transferências de recursos a pagamentos de impostos, taxas etc. Nestas condições o Banco Central e a Receita Federal possuem plenas condições para detectar e evitar eventuais tentativas de evasão da CMF. Por outro lado, não há como imaginar que, na era de internet e dos cartões de crédito, possa haver regressão ao escambo, já que os custos adicionais da transação desbancarizada certamente serão superiores ao tributo evadido.

Além dos aspectos econômicos positivos identificados, como a simplificação e a diminuição da carga tributária, a desoneração da folha de pagamentos traria benefícios quanto à empregabilidade, formalizando empregos e salários. Não havendo tributos sobre os salários, as empresas não precisariam tentar diminuí-los através de artifícios como participação sobre lucro e resultado (PLR), vale-transporte, vale-refeição, cota-utilidade, entre tantas outras formas indiretas de reduzir a tributação sobre os ganhos dos assalariados. Cabe apontar que tais benefícios são freqüentemente alvos de questionamentos na Justiça do Trabalho, implicando significativa elevação do custo-Brasil.

A proposta ainda teria outras vantagens. A arrecadação do INSS patronal não sofreria sobressaltos em função da variação do emprego, pois o retrospecto da atual CPMF demonstra que a sua arrecadação é constante e ascendente. Também importante é lembrar que, em função do aumento de expectativa de vida do brasileiro, há cada vez menos trabalhadores contribuindo para a manutenção de cada aposentado. Essa equação pode ser tornar negativa caso o sistema de financiamento da Previdência continue da forma como se encontra no momento, incidindo sobre a folha de salário das empresas. Ademais, as demandas trabalhistas e fiscais diminuiriam dada a simplicidade da movimentação financeira como nova base de incidência.

O projeto da desoneração da folha contém um detalhe que garantirá que o assalariado não pagará a conta da CMF. Na proposta, quando da implementação do novo sistema, as empresas seriam obrigadas a conceder um aumento nos salários de 1,5%, para custear a nova CMF sobre os rendimentos dos trabalhadores e garantir-lhes um aumento real advindo da redução de custos trabalhistas das empresas.

Em função do aumento da base de incidência, o uso da CMF tem vantagens, como a de ser praticamente insonegável, diminuir a corrupção, eliminar a informalidade, bem como diminuir o número de ações trabalhistas e socializar a contribuição para o INSS. A robotização e a informatização, que melhoram os sistemas produtivos, mas eliminam postos de trabalho, não seria responsabilizadas pela diminuição da arrecadação do INSS.

Cabe apontar que o estudo da FGV não foca a eliminação dos outros penduricalhos - como salário-educação, contribuição ao Incra e SAT - que poderiam também ser substituídos por uma alíquota de CMF.

Para finalizar, é importante notar que os que combatem essa proposta jamais apresentaram qualquer questionamento técnico contra as conclusões do estudo da FGV. Fica aqui o desafio para que o façam, sob pena de serem classificados como homens de "sabedoria convencional", como conceituado por J.K. Galbraith em sua conhecida obra "A Sociedade Afluente", tendentes apenas a defender teses incontroversas e convencionais, com aceitação popular acrítica e conseqüentemente destituídas de características de inovação e criatividade. A pena para tais pessoas, segundo Galbraith, é que "a posteridade não é boa para o homem de sabedoria convencional; tudo o que ela faz é sepultá-lo num lençol de esquecimento". É preciso ajudar o Brasil a crescer, com mudanças estruturais que possam trazer benefícios a todos. É hora dos governantes ousarem. Presidente Lula, ouse, para que não seja lembrado simplesmente como um "homem de sabedoria convencional".


Luigi Nese é presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS)
VOLTAR IMPRIMIR