10 de Setembro de 2008 - 11h:13

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As transferências de controle acionário

Por: Leslie Amendolara

No momento em que se trava uma viva discussão sobre o direito dos minoritários envolvendo a compra das ações da Aracruz por um dos grupos que exercia o controle compartilhado com o vendedor, é importante analisar alguns aspectos legais concernentes à oferta pública na transferência do controle acionário. A matéria, regulada pelo artigo 254-A e parágrafos da Lei das S.A., prevê a obrigação do adquirente do controle de fazer uma oferta pública aos titulares de ações ordinárias minoritários, assegurando-lhes no máximo 80% do valor pago pelas ações dos controladores. O parágrafo 1º desse artigo conceitua "como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações vinculadas por acordo de voto e outras formas que menciona". 

O acordo de voto é uma das cláusulas mais comuns nos acordos de acionistas que, por ser um contrato parassocial, não vincula a empresa: ela é mero terceiro alheio ao pacto, embora deva ser pela companhia observado quando arquivado em sua sede, e seus efeitos, como diz Modesto Carvalhosa, "se produzem na esfera da companhia, afetando-a diretamente em termos de consecução do interesse social" ("Comentários à Lei das S.A."). O acordo é, portanto, um contrato plurilateral entre acionistas os quais fixam as regras entre si, em especial a de exercer o controle da sociedade através da eleição da maioria dos membros do conselho de administração. O pacto prevê invariavelmente a preferência recíproca dos demais acordantes para a aquisição das ações, evitando, pela venda a terceiros, o seu rompimento. É conhecido como acordo de bloqueio. Trata-se, na verdade, de um instrumento para reprimir a circulabilidade das ações fora do grupo acordante. Esse é o aspecto relevante do ponto de vista de nossa análise. No caso de três acionistas que detenham 28% das ações cada um, por exemplo, caso um deles resolva vender sua parte a apenas um outro, seja por não haver no contrato obrigação de manter-se a proporcionalidade ou porque o outro não deseja adquirir, rompe-se o pacto. Aquele que comprar as ações passará a deter 56%, portanto não precisa mais de acordo de voto para controlar a companhia, pois já detém o controle absoluto. 

A questão que se propõe a analisar é, porém, de outra ordem: haverá transferência de controle quando um dos grupos, ainda que já não mais formalmente vinculado por acordo de votos, detentor sozinho de percentual que não lhe outorga o controle, ao adquirir as ações do outro grupo e superar os 50% dos votos? Para responder a essa pergunta precisamos perquirir quais os fundamentos para a concessão do "tag along" aos minoritários. 

Duas razões devem ser consideradas. A primeira de ordem econômica e de justiça, de modo a transferir aos minoritários a mesma vantagem do preço obtido pelos controladores, embora desagiada de 20%. A segunda, entretanto, a nosso ver, transcende o mero aspecto econômico da compra das ações. O controle acionário, no modelo brasileiro, concentra um enorme poder: elege a maioria dos membros do conselho de administração e fiscal e, através do primeiro, escolhe os diretores executivos e fiscaliza-os; fixa a orientação geral dos negócios, manifesta-se previamente sobre atos e contratos, autoriza a alienação de bens do ativo permanente, aprova a constituição de ônus reais e a prestação de garantias, dentre outras atribuições, conforme os incisos I a IX do artigo 142 da Lei das S.A. Ora, essa somatória de poder, ao ser transferida de um poder dividido para outro concentrado, pode significar mudanças e alterações de rumo na orientação geral dos negócios, o que concede ao minoritário o direito de optar pela saída da sociedade, na dúvida do que poderá ocorrer com relação à política do novo controlador. Outra não é a razão por que o legislador desagiou o valor a ser pago aos minoritários senão a de que a aquisição do poder tem embutido um significativo valor intangível. 

O controle do poder está presente na legislação de todos os países civilizados e agora associado à governança corporativa

Esse fenômeno foi bem observado por Fabio Comparato, em sua obra seminal "O Poder de Controle na Sociedade Anônima", ao afirmar que "a aquisição do controle determina a criação de um grupo societário ou a ampliação de grupo já existente". A dicotomia maioria/minoria, como afirma Waldirio Bulgarelli, "não se refere a uma noção meramente quantitativa, mas a uma relação quantitativa de poder. Maioria é, sob total aspecto, o controlador - o que de fato controla e dirige a sociedade - e minoria os que por várias razões estão afastados do poder dentro da sociedade" ("Regime Jurídico da Proteção às Minorias nas S.A."). Não foi outra a conclusão de Berle e Means ao identificar, nas sociedades anônimas abertas, o compromisso com o público investidor que as transformam do poder de algumas poucas pessoas em "uma instituição que, ao menos nominalmente, serve os investidores que aplicaram seus fundos no negócio". 

A própria palavra poder, no latim, se confunde-se com a propriedade, eis que deriva de "possum" cujo infinitivo é "posse", de onde se conclui que, ao se deter a propriedade, se detém também o poder. Para evitar que esse poder degenerasse em absolutismo, o direito tem buscado contê-lo nos limites do razoável, como está expresso no parágrafo único do artigo 116 da Lei das S.A.: "O acionista controlador deve usar seu poder para realizar o seu objeto e cumprir sua função social e tem deveres e responsabilidades com os demais acionistas da empresa, cujos interesses deve lealmente respeitar e atender". Esse controle do poder está presente na legislação de mercado de todos os países civilizados, agora associado à filosofia da governança corporativa. Esse último aspecto deve também ser ressaltado no deslinde dessa questão, pois o mercado de capitais brasileiro, afora o crescimento quantitativo dos últimos anos, vem adquirindo um elevado grau de respeitabilidade graças à proteção dada aos acionistas minoritários. 

Fica, assim, evidente que, seja qual for a forma como se constitui a concentração de poder de controle majoritário nas mãos de quem não o detinha, opera-se sua transferência e, de conseqüência, o direito ao "tag along" dos minoritários. 

Leslie Amendolara é advogado especializado em direito empresarial e mercado de capitais e autor do livro "O Direito dos Acionistas Minoritários", entre outros 

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