26 de Agosto de 2008 - 16h:13

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O desafio de um novo sistema tributário

Por: Valor Online

Há algum tempo venho estudando o sistema tributário de diversos países do Oriente Médio, com o objetivo de identificar como a região é capaz, através da atuação do governo, de financiar incríveis megaprojetos nos Emirados Árabes, Arábia Saudita, Kuwait, Qatar e Oman e, ao mesmo tempo, manter fundos soberanos extremamente ricos e diversificados. A origem dos fundos soberanos, que chegam a incríveis US$ 890 bilhões em ativos - caso do Abu Dhabi Investment Authority -, é, sem dúvida, a elevada cotação do petróleo no mercado internacional. É curioso como o mundo importador de petróleo financia esses países, que, por sua vez, revertem esses excedentes em investimentos domésticos, em empreendimentos internacionais e em participações em grandes grupos pelo mundo, inclusive nos próprios países que compram seu petróleo, buscando remuneração garantida através de dividendos. É a pura e simples lei da oferta e da procura, que neste momento balança em favor de quem possui excedentes de petróleo.

Entretanto, os xeiques árabes já olham para o futuro. Os fundos soberanos são a poupança desses países. Eles estão comprando o mundo e querem garantir boas taxas de retorno em seus investimentos. O petróleo - eles têm certeza - um dia acabará e há que existir fontes de recursos alternativas. A outra tradicionalíssima fonte de recurso para os governos é a tributação, e os xeiques estão de olho em expandir esse conceito em seus países e emirados. A percepção geral é a de que não há tributos no Oriente Médio. Em parte, isso é verdade. Os habitantes dos países citados anteriormente, em geral, pagam pouquíssimos tributos ou, às vezes, nenhum. Entretanto, não é essa a tendência para o futuro. Esses países, em especial os Emirados Árabes Unidos, estão muito preocupados em manter seu atual crescimento na certeza futura de que um dia o petróleo acabará. Os estudos sobre como implementar sistemas tributários estão muito em voga na região, e em breve sistemas avançados de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) entrarão em vigor.

O governo de Dubai, por exemplo, estuda profundamente como introduzir tributos e quais seriam as melhores formas de se tributar empresas e pessoas físicas. É um trabalho feito com cuidado e bastante cautela. Buscam experiências e estudam a atuação de autoridades fiscais em outros países. É incrível ver um sistema tributário surgir do zero e perceber uma seqüência lógica e um objetivo claro no que está sendo implementado.

A proposta de reforma tributária que hoje transita pelo Congresso Nacional brasileiro não pode prosperar. Estamos no caminho completamente errado. O que mais me chamou a atenção na proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma tributária é a existência de percentuais dos mais confusos -fazem parte de um sugerido fundo de equalização de receita - que, de acordo com a exposição de motivos do governo federal e com o relator da PEC, o deputado Sandro Mabel, servirá para garantir segurança aos governadores de que não perderão receita. Esses percentuais não estão aí por acaso. Eles resultaram de cálculos e equações elaborados para tentar agradar a todas as esferas arrecadatórias: União, Estados, Distrito Federal e municípios. Entendo que a discussão não deve partir do pressuposto de que esferas políticas devem ser satisfeitas. Sem entrar no mérito das origens do federalismo brasileiro, nossos governantes sempre esquecem que o foco principal e absoluto nessa história de poder e política é garantir ao povo desse país o exercício de seus direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Esses são os princípios que o governo nos cobra em dinheiro para garantir.

Não se pode negar a complexidade do nosso país em comparação às pequenas nações árabes, mas isso não é desculpa. O que os países árabes estão fazendo é um exemplo a ser seguido pelo Brasil. Vamos começar do zero e estabelecer novas bases para custear os gastos do governo. Aproveitar a oportunidade também para rever como os recursos devem ser aplicados e chegar de uma forma madura a um ajuste fiscal decente.

Não é por acaso que o Brasil figura como um dos países com maior custo para pagamento de tributos no mundo. Não estou falando do tributo em si, que também é alto, mas do custo incorrido por empresas para simplesmente calcular, declarar, retificar, compensar, estudar, enfim, recolher tributos. Não precisa ser tributarista para entender que nosso sistema tributário é de uma complexidade absurda e completamente incompatível com nossas aspirações como nação. Vivemos, sim, em uma confusão tributária que é claramente um entrave ao desenvolvimento do país.

A reforma tributária atual, a meu ver, é extremamente paliativa e não aborda de frente os problemas tributários do país, entre eles a falta de proporcionalidade da carga tributária sobre as diferentes faixas econômicas da população, a informalidade, a existência de incontáveis tributos, a uniformidade da implementação e gestão de tributos (de forma a evitar guerras fiscais) e, mais importante, o desenvolvimento ético de nossos governantes de que o dinheiro público deve ser utilizado com zelo. Afinal de contas, estamos no país que arrecada como país escandinavo e presta serviços de países africanos em guerra civil. Essa proposta está sendo discutida pelos mesmos integrantes do Congresso Nacional que deram a nova e confusa cara ao PIS/Cofins e que querem ressuscitar a CPMF, entre outras ações sem sentido e coordenação. O debate e a participação da população e dos setores econômicos do país é essencial para o sucesso dessa reforma.

Não basta inserir cinco ou seis tributos na pauta. A análise aqui deve ser holística e no sentido de desafiar a existência de todos os 60 ou mais tributos existentes no país. O Brasil não merece uma reforma apenas boa. Precisamos focar no ideal e obter resultados excepcionais. Nosso sistema tributário é remendado e confuso. Demolir para reconstruir. A nação exige e precisa desse esforço. Não é fácil, mas não é impossível. Basta ter vontade política. Isso, sim, é prioridade neste país.

Bruno Porto é advogado especialista na área tributária e gerente sênior da PricewaterhouseCoopers

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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