25 de Agosto de 2008 - 15h:22

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Concessões rodoviárias e a revisão de contratos

Por: Valor Online

A cobrança de pedágio em rodovias foi implementada com sucesso na Europa há muito tempo. No Brasil, durante muitos anos, só havia pedágio em poucas estradas e a responsabilidade por sua conservação recaía sobre empresas estatais.

Embora reconhecida a constitucionalidade da cobrança do pedágio desde 1970, somente na década de 90, em meio à desestatização de diversos setores da economia, o governo instituiu o Programa de Concessão de Rodovias Federais (Procofe). Estradas mal conservadas, entraves ao desenvolvimento e perigosas para os usuários, cederam lugar a rodovias ampliadas, bem asfaltadas e sinalizadas e que contam com serviços diversos como resgate e atendimento pré-hospitalar. Por outro lado, os encargos da manutenção de rodovias passaram a recair apenas sobre os usuários, diretamente interessados no serviço, e não sobre toda a sociedade civil.

Não foi, porém, o suficiente. As rodovias transportam 65% da produção nacional, mas 80% ainda são classificadas como ruins ou péssimas. Por isso, depois de longo tempo sem novas concessões, no ano passado foram licitados sete trechos de rodovias federais. E o Estado de São Paulo licitou o Trecho Oeste do Rodoanel.

O resultado desses leilões, porém, despertou controvérsias. As novas tarifas ficaram significativamente menores que as das concessões dos anos 90. Na Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, por exemplo, o usuário paga R$ 0,127 por quilômetro. A tarifa que será cobrada na Fernão Dias ficou em R$ 0,01/km. No Rodoanel, R$ 0,09/km.

Diante dessas diferenças, houve quem se apressasse em afirmar que há indícios de "desequilíbrio econômico-financeiro" nos contratos firmados na década de 90 e de lucro exacerbado dos concessionários. Duas perguntas, entretanto, devem ser feitas: tais números são fonte segura para se comparar o lucro dos concessionários? E, mesmo que a resposta seja positiva, seria juridicamente possível alterar os contratos anteriores?

O preço do pedágio varia, antes de tudo, conforme a estratégia política de cada governo. Pode-se ou não cobrar o chamado valor de outorga ou ônus da concessão, que, por óbvio, eleva o preço da tarifa. Nas recentes licitações federais, não houve cobrança pela outorga. Não há como afirmar, porém, qual é a melhor estratégia para a coletividade. Embora tenha apelo popular, reduzir a tarifa, não cobrando pela outorga, pode-se distribuir os custos entre todos os contribuintes, em vez de restringi-los apenas aos usuários.

Além disso, cada estrada tem uma demanda específica de investimentos e um retorno econômico próprio. A simples comparação da relação tarifa e quilômetro é, portanto, uma forma bastante simplista de analisar a questão. Uma série de variáveis, inclusive o custo do dinheiro, influencia o valor das tarifas, não apenas a rentabilidade dos concessionários.

De todo modo, resta a segunda e mais importante indagação: mesmo que tenham taxas de rentabilidade maiores que os atuais, seria juridicamente possível modificar os contratos anteriores?

A resposta é negativa. Nos anos 90, foram editadas leis que, inspiradas na Constituição de 1988, reforçaram o caráter contratual da concessão e limitaram o poder da autoridade. A administração pública deve respeitar os contratos em vigor, como, aliás, afirmou o presidente da República, só podendo alterá-los pelos motivos previstos em lei. E a celebração de contratos semelhantes com taxas de rentabilidade menores não é um desses motivos, pois a conjuntura econômica mudou.

E os princípios jurídicos da modicidade tarifária, equilíbrio econômico-financeiro da concessão e supremacia do interesse público autorizariam a revisão de tais contratos? Também não.

A modicidade tarifária não é um fim em si mesmo. É apenas um dos comandos a que o administrador deve obediência no momento da licitação. Não constitui, portanto, carta branca para alterar contratos em vigor. Convém notar que o investimento há dez anos era muito mais arriscado do que hoje. Quanto maior o risco, maior a taxa de rentabilidade que deve ser oferecida para atrair o capital. Logo, se as taxas de lucro das concessões anteriores se mostram aparentemente superiores, não terá sido por negligência ou descuido do poder concedente, mas para atender ao objetivo - legítimo - de atrair o investidor, numa fase pioneira da implantação das concessões no país.

O princípio do equilíbrio econômico-financeiro é garantido constitucionalmente, como recentemente decidiu o Supremo Tribunal Federal, e, no Brasil, esse princípio tem acepção específica: a Constituição garante a intangibilidade das condições da proposta vencedora da licitação, que são presumivelmente módicas e equilibradas. A equação econômico-financeira original não pode ser alterada, nem pela autoridade administrativa, nem pelo legislador, sob pena de afronta à Constituição.

A revisão das tarifas anteriores tampouco está autorizada pelo inespecífico princípio da supremacia do interesse público. De fato, pode até parecer que a redução dos pedágios atende a tal princípio. Mas uma análise mais criteriosa afasta a seriedade desta conclusão. Não é de hoje que se sabe que o descumprimento de contratos acarreta ruptura de credibilidade e, conseqüentemente, prejuízos à economia de todo o país. Lembre-se de que a melhora do Brasil na classificação das agências internacionais de risco Standard and Poor's e Fitch Ratings levou em consideração justamente a maior seriedade do país em honrar compromissos, ou seja, a segurança jurídica. Assim, é preciso reconhecer que o interesse público é atendido pelo respeito aos contratos e não pela redução de tarifas cobradas em rodovias.

Seria ótimo dispor de estradas seguras num passe de mágica. Mas a infra-estrutura custa dinheiro. E a história do país mostra que, caso os recursos provenham do Estado, das duas uma: ou o serviço deixa de ser prestado ou o custo é financiado por empréstimos tomados de instituições internacionais e pago por toda a sociedade provocando, muitas vezes, o aumento da inflação. Na verdade, até os anos 80, aconteciam as duas coisas: o Brasil se endividava e, mesmo assim, não prestava serviços.

O resultado dos últimos leilões, portanto, deve ser comemorado, mas não pode servir de pretexto para alterar contratos antigos. Modificar regras pré-estabelecidas é lesar injustificadamente quem fez investimentos vultuosos no País. Lembre-se que os candidatos só conseguem apresentar propostas menos custosas hoje por se beneficiarem do conhecimento técnico, do mercado de trabalho e de fornecedores, bem como da credibilidade financeira, gerados pelo cumprimento dos contratos de concessão firmados nos anos 90. Para que esse e outros setores da economia continuem a se desenvolver, em benefício de toda a coletividade, é preciso manter-se o ambiente de segurança jurídica e respeito aos contratos.

Arnoldo Wald e Marina Gaensly são advogados e sócios do escritório Arnoldo Wald

Arnoldo Wald e Marina Gaensly
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