06 de Agosto de 2008 - 14h:36

Tamanho do texto A - A+

Juízes e credores começam a usar as novas regras da execução cível

Por: Valor Online

Dois anos após a edição da Lei nº 11.382, que alterou as regras das execuções cíveis no país, credores começam a ver vantagens em alguns dos instrumentos criados por ela para agilizar os processos na Justiça e fazer com que eles recebam efetivamente o que já foi garantido em decisões da Justiça - evitando a aplicação da máxima "ganhou mas não levou" diante da contumaz demora na execução dos créditos. Somente agora credores ensaiam o uso dos novos instrumentos, que surgiram como alternativa ao leilão judicial, até então a única forma de garantir a quitação de débitos, mas conhecido por ser um procedimento lento, burocrático e suscetível a inúmeros recursos de devedores para protelar o pagamento de dívidas.

A Lei nº 11.382 estabeleceu duas novas possibilidades de satisfação de créditos em processos de execução cíveis: a chamada "adjudicação antecipada", ou seja, a aplicação prática da decisão judicial que permite a apropriação dos bens penhorados do devedor pelo credor antes da realização do leilão judicial, e a "alienação particular", que dá a quem executa a dívida o direito de leiloar bens por conta própria.

Os dois novos mecanismos já aceleram os processos de execução de dívidas na Justiça. "A tomada antecipada dos bens reduz o tempo dos processos em, no mínimo, três meses", diz o juiz Airton Pinheiro de Castro, assessor da corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Na avaliação da advogada Maria Helena Bragaglia, do escritório Demarest & Almeida Advogados, a redução pode chegar a um ano. "O devedor paga mais rápido com medo de perder o bem", explica.

Mas, apesar de diminuir o tempo dos processos de execução, a antecipação da tomada dos bens penhorados não tem atraído tanto os credores. "Ficar com um bem de difícil venda no ativo pode engessar um pouco as empresas, devido à falta de liquidez", diz Maria Helena Bragaglia. Na Justiça de São Paulo, a adjudicação antecipada, prevista no artigo 685-A inserido pela Lei nº 11.382 no Código de Processo Civil, é a forma escolhida pelos credores para satisfazer dívidas em 10% dos processos de execução, segundo o juiz Pinheiro de Castro.

Na opinião do juiz Alexandre Santiago, da 16ª Vara Cível de Belo Horizonte, em Minas Gerais, o motivo para a pouca utilização da adjudicação antecipada é simples: "Os credores ainda preferem esperar que o bem vá a leilão por duas vezes, já que a lei permite que se arremate o bem por valor inferior ao da avaliação no segundo leilão", explica. Dessa forma, o credor, além de ficar com o bem, ainda mantém um saldo maior da dívida a receber. "Mas isso arrasta os processos indefinidamente", diz o juiz.

Já a alienação particular tem sido usada com mais freqüência pelos credores, embora também de forma tímida. A possibilidade foi aberta pelo artigo 685-C inserido no Código de Processo Civil pela lei de 2006. Diferentemente do leilão judicial, a venda por iniciativa do credor significa melhor publicidade e menos demora. Isso porque a venda feita pela Justiça no leilão judicial segue regras minuciosas - como publicações consecutivas dos editais de cada leilão em intervalos fixos de tempo, por exemplo. "O descumprimento de qualquer detalhe é motivo para o executado contestar e postergar o processo", diz o juiz Wauner Machado, da 6ª Vara Cível de Belo Horizonte, que já autorizou três adjudicações e uma alienação particular nos últimos seis meses. Segundo o juiz Jaubert Jaques, da 4ª Vara Cível de Belo Horizonte, a vantagem do leilão particular é que ele não é passível de questionamentos, a não ser em relação à decisão que autorizou o procedimento.

O benefício já foi percebido por uma empresa do setor têxtil de São Paulo, que resolveu vender, por conta própria, a casa de veraneio de um credor, penhorada pela Justiça devido a uma dívida comercial. A advogada que defende a empresa, Maria Helena Bragaglia, do Demarest, conta que a opção pela venda particular foi feita para que o imóvel não fosse arrematado por um preço muito baixo em um leilão judicial. "O arremate poderia acontecer no segundo leilão, quando o valor seria inferior ao da avaliação", explica. Sabendo do interesse de um possível comprador, a empresa pediu judicialmente para leiloar o imóvel na temporada de férias, quando o preço aumentaria - o que foi aceito pela Justiça. Assim, o bem foi vendido por R$ 700 mil, valor que, considerando uma dívida de IPTU de R$ 130 mil, chegou próximo ao da avaliação, de R$ 1 milhão. "Dificilmente chegaríamos ao montante em um leilão judicial", diz. Duas outras alienações para a quitação de dívidas superiores a R$ 1 milhão são conduzidas pela advogada.

A facilidade também é bem vista pelo juiz Roberto Fraga, da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ele conta ter autorizado, neste ano, a alienação particular de um imóvel no valor de R$ 106 mil, depois que o credor desistiu do leilão judicial e preferiu ele mesmo leiloar o bem. "Mas a alienação particular ainda está engatinhando. Os leilões judiciais ainda respondem por 80% das quitações de dívidas, seguidos de quase 20% em adjudicações", diz, em relação aos processos que tramitam em sua vara. Para dar maior clareza às regras das alienações particulares, o TJSP editou, em junho, o Provimento nº 1.496, que incentivou o uso de meios eletrônicos para a publicidade dos leilões. "A divulgação do bem fica mais ampla, rápida e barata", diz o juiz da 9ª Vara Cível Central da capital paulista, Guilherme Teodoro.

Embora ainda incipiente, o uso das novas regras dos processos de execução cível já tem alterado o foco de quem trabalha com leilões judiciais. Foi o que aconteceu com a empresa Minas Gerais Leilões, que oferece leiloeiros oficiais para atuarem em leilões judiciais há sete anos. A empresa já se oferece aos magistrados para a realização de leilões particulares, nos casos em que os credores optarem pela alienação particular dos bens e precisam de uma indicação. Foi o que aconteceu na 1ª Vara Cível da Comarca de Matozinhos, em Minas Gerais. Em março, o juiz titular Daniel Pacheco autorizou a empresa a realizar o leilão de máquinas de uma empresa de equipamentos agrícolas em um processo de execução de dívidas fiscais no valor de R$ 7 mil, movido pela Fazenda do Estado de Minas Gerais. Outros dois casos semelhantes já foram despachados pelo juiz.

Alessandro Cristo, De São Paulo
VOLTAR IMPRIMIR