25 de Julho de 2008 - 18h:51

Tamanho do texto A - A+

A Lei de Recuperação de Empresas - Balanço Geral

Por: Revista Consultor Jurídico

A Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei Federal 11.101/2005) é, sem dúvida alguma, uma das mais relevantes editadas nos últimos tempos. De nada adiantaria, todavia, ter um diploma moderno, prestigiado pelos empresários, trabalhadores e profissionais do mercado se a sua aplicação aos casos concretos, pelo Poder Judiciário, deixasse dúvida quanto à eficácia dos mecanismos ou, ainda, não tivesse o condão de alcançar os resultados almejados.

Não é isso, todavia, o que vem ocorrendo. Pelo contrário, a despeito do pouco tempo de vigência, há diversos pronunciamentos judiciais a respeito do assunto que não só confirmam os propósitos do legislador e, por conseguinte, da sociedade brasileira, como, também, superam, com indiscutível juridicidade, as imperfeições e omissões do novo diploma legal.

Exemplo manifesto disso são as decisões que asseguram ao Juízo onde está sendo processada a recuperação judicial a competência exclusiva para decidir a respeito dos direitos e do patrimônio da empresa recuperanda, da forma de venda de eventuais unidades produtivas e outros ativos e, ainda, sobre as obrigações assumidas pelos adquirentes desses bens. O leading case a respeito do assunto é o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Conflito de Competência 61.272-RJ, da relatoria do ministro Ari Pargendler. Nesse mesmo processo, foi cunhada a expressão “Juízo Universal da Recuperação Judicial”, em referência ao já consagrado e conhecido “Juízo Universal da Falência”.

Na prática, esse posicionamento confere segurança jurídica e econômica aos adquirentes de ativos e unidades produtivas isoladas no curso de processo de recuperação judicial ou falência em relação a eventuais pedidos de “sucessão” em dívidas e obrigações — especialmente trabalhistas, tributárias e previdenciárias — que venham a ser desavidamente ou de má-fé formulados por credores das empresas recuperandas perante outros órgãos judiciais.

Isto porque, se o ativo ou a unidade produtiva forem alienados no curso de processo de recuperação judicial ou de falência sem qualquer ônus ou sucessão nas obrigações das empresas recuperadas, como permitem, respectivamente, o artigo 60, parágrafo único, e o artigo 141, inciso II, da novel legislação, nenhum outro órgão jurisdicional — exceto os Tribunais aos quais o Juízo da Recuperação Judicial está subordinado — poderá proferir decisão em sentido diverso. Se isto eventualmente vier a ocorrer, poderá o interessado fazer uso do instituto do Conflito de Competência e da jurisprudência que vem se consolidando sobre o assunto, para fazer prevalecer a decisão proferida pelo “Juízo Universal da Recuperação Judicial” a respeito das obrigações assumidas pelo adquirente.

Afora esse relevante aspecto, as decisões judiciais já proferidas, como já dito, também contribuíram sobremaneira para tornar operacional o diploma legal ora enfocado. Merece destaque, nesse sentido, a dispensa das certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento da recuperação judicial para empresas viáveis a despeito do que prevê o artigo 57 da lei em comento. De fato, a jurisprudência já formada a respeito do assunto tende a considerar “abusiva e inócua” a exigência de certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento da recuperação judicial, conforme se verifica, exemplificativamente, na detalhada análise realizada no bojo do voto condutor proferido pelo desembargador Romeu Ricupero no recente julgamento do Agravo de Instrumento no. 510.802.4/9-00, da Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. No acórdão proferido naquela oportunidade, a Corte de São Paulo faz referência a outros relevante
s precedentes a respeito da matéria que igualmente dispensaram a apresentação de certidão negativa de débitos fiscais para o deferimento da recuperação judicial.

Há que se considerar tal posicionamento jurisprudencial tem relevante impacto na utilização do novel diploma legal, uma vez que, na prática, dificilmente as empresas em momentânea dificuldade econômico-financeira encontram-se absolutamente em dia com as suas obrigações fiscais. A recuperação judicial, muitas vezes, é que irá proporcionar à empresa também a oportunidade de restabelecer os pagamentos relativos aos tributos e verbas previdenciárias incidentes sobre as suas atividades sociais, razão pela qual o entendimento jurisprudencial ora apontado revela-se mais compatível com os princípios e objetivos do instituto.

Uma outra decisão relevante — proferida no processo de recuperação judicial da Varig — declarou a nulidade dos votos proferidos por diversas empresas de um mesmo grupo empresarial contrariamente ao plano de recuperação judicial apresentado em assembléia de credores sob o fundamento de abuso do direito de voto — os quais conduziam à falência as empresas ali envolvidas. De acordo com a decisão, a diluição de créditos entre diversas empresas do mesmo grupo empresarial teria o condão elevar indevidamente o número de votos de um único credor em assembléia de credores, prejudicando os interesses dos demais credores e da empresa em recuperação judicial.

A propósito, os processos de recuperação judicial envolvendo sociedades empresárias com destaque nacional instaurados desde o início da nova Lei de Recuperação de Empresas serviram para corroborar a necessidade e a atualidade do instituto. Serviram, ainda, para estabelecer verdadeiros paradigmas na aplicação dessa novel legislação.

Como exemplo disso, devem ser destacadas as decisões proferidas pelo juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, no já mencionado processo de recuperação judicial da Varig; as decisões proferidas pelo juiz Alexandre Alves Lazarini, da 1ª Vara de Recuperação Judicial e de Falências da Comarca de São Paulo, no processo de recuperação judicial da Parmalat e da Vasp, dentre outras — e, à evidência, as decisões ulteriormente proferidas pelos respectivos Tribunais de Justiça aos quais estão vinculados os magistrados acima referidos. O Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, como já exposto acima, também teve e continua tendo papel decisivo na consolidação da novel legislação que trata da recuperação de empresas, já dispondo os seus repositórios de diversos pronunciamentos relevantes a respeito do assunto.

Ressalte-se que as decisões judiciais antes mencionadas, além de conhecidas pelos profissionais do Direito, também tiveram amplo destaque na imprensa. Como corolário disso, diversos empresários em momentânea situação de dificuldade econômica tiveram conhecimento e puderam se utilizar do favor legal a tempo e com nítido interesse público, logrando preservar a unidade produtiva da qual são titulares e os postos de trabalho por ela gerados. Por outro lado, empresários e investidores estão se sentindo mais seguros para a aquisição de unidades produtivas isoladas alienadas no curso de processos de recuperação judicial e de falência, especialmente em relação aos pronunciamentos que asseguram, com base na lei de regência, a não “contaminação” das demais atividades empresariais do adquirente em relação aos débitos e obrigações da empresa em recuperação judicial.

De acordo com matéria publicada no jornal Valor Econômico, em 3 de dezembro de 2007, estavam em curso, naquela data, de acordo com levantamento efetuado pela Serasa, 461 processos de recuperação judicial em trâmite no país. O número ainda é reduzido se analisado ao número de empresas que estariam aptas a fazer uso do instituto.

Por outro lado, há setores, como é o caso da indústria da ação civil, que receberam expressa previsão na novel legislação (artigo 199) e fizeram ampla utilização do instituto proporcionalmente ao número de companhias aéreas existentes no país, rendendo ensejo a discussões intrincadas e específicas, inclusive em relação à competência do “Juízo Universal da Recuperação Judicial” (Justiça Estadual) para decidir a respeito de determinados aspectos relacionados à concessão federal envolvendo os serviços de transporte aéreo. Merece destaque, nesse sentido, o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, proferido o julgamento do Agravo de Instrumento 2006.02.01.010487-0, da relatoria do desembargador federal Paulo Espírito Santo.

É certo que a Lei de Recuperação de Empresas e de Falências ainda é muito recente e precisa ser interpretada pelos tribunais ou ajustada, no âmbito legislativo, em diversos pontos, como por exemplo: (i) em relação aos elevados custos envolvidos no processo de recuperação judicial em virtude de obrigações legais impostas às empresas que pretendem se utilizar desse remédio legal, notadamente para a publicação de editais; (ii) em relação às diferentes redações atribuídas ao artigo 60, parágrafo único, e ao artigo 141, inciso II, para disciplinar a ausência de qualquer ônus ou sucessão na aquisição de bens e unidades produtivas no curso do processo de recuperação judicial e de falência.

A recuperação extrajudicial, por seu turno, ainda é pouco utilizada no país e precisa ser incentivada nas situações compatíveis com o instituto. Mas no geral, como demonstrado acima, os mecanismos contidos na novel legislação são eficazes e as decisões judiciais a respeito do assunto vêm contribuindo sobremaneira para a consolidação e a operacionalidade dos institutos ali contidos.
VOLTAR IMPRIMIR