08 de Fevereiro de 2008 - 11h:54

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Contratos, período pré-contratual e proposta

Para fins práticos e jurídicos é fundamental distinguir as duas fases da formação dos contratos: o período pré-contratual e a proposta. O período de formação da vontade contratual pode ser mais ou menos longo. O contrato pode ser concluído instantaneamente, ficando quase imperceptível, ou inexistindo uma fase preliminar. Contudo, não é o mais comum nos contratos de mais elaborados. Geralmente, os contratos com maior complexidade exigem uma troca normal de tratativas e negociação. Esta fase de tratativas será tanto mais longa e complexa quando, no futuro contrato, existir um interesse econômico relevante, um conteúdo complexo, a observância de uma determinada forma imposta pela lei ou pelas partes etc. É a fase também conhecida por negociações ou pontuações.

Estas tratativas ocorrem na presença ou na ausência das partes, conforme define o ordenamento, bem como por meio de representantes ou núncios, isto é, porta-vozes. As pessoas jurídicas fazem-se representar por seus órgãos nas negociações, nem sempre aqueles que celebrarão o negócio. Atualmente são importantes os contratos concluídos por via eletrônica, os quais não dispensam os princípios gerais.


Existe, portanto, maturação das negociações antes que culminem na conclusão do contrato. Falamos daquele contrato pontuado pelas partes, discutidos em detalhes, e não dos contratos de adesão. Ao fim das tratativas, as partes desembocam quer em um contrato definitivo quer em um contrato preliminar, ou então não concluem negócio algum, frustrando-se as respectivas expectativas. No contrato preliminar, as partes preordenam o que será disposto no definitivo, mas o contrato em si já é definitivo. A questão da responsabilidade pré-contratual, tanto pela recusa de contratar como pelo rompimento injustificado das negociações, é também matéria importante nesta área. A responsabilidade, neste caso, é extracontratual, podendo gerar o dever de indenizar, porque contrato ainda não existiu.


As tratativas podem ser cansativas, ingentes, precedidas de estudos, projetos e reflexão profunda sobre as implicações da contratação. Deixando agora à margem o rompimento das negociações preliminares, uma questão importante que surge na matéria é a fixação do momento em que se reputa concluído o contrato. As negociações preliminares, como regra, não obrigam, enquanto não firmado o contrato. As concordâncias paulatinas obtidas ainda constituem tratativas, não constituem contratos. Essas tratativas podem transcorrer unicamente sob a forma oral, mas também podem ser documentadas, com correspondência entre os interessados, minutas, contraminutas, atas, anotações etc. Por vezes, há interesse das partes de se assegurarem por escrito nesta fase pré-contratual, denominada pontuação, em que pode surgir um esboço ou rascunho do contrato, ou uma carta de intenções. Denomina-se geralmente minuta o esboço do futuro contrato. O termo significa algo que é menor, leve. A minuta, em regra, não obriga, mas serve de subsídio para a interpretação do contrato futuro. Pode também servir de base probatória para o exercício da ação de indenização pelo rompimento injustificado das tratativas. Há outro significado impróprio para a minuta, que é o de um resumo ou sinopse de um contrato já firmado, o que refoge ao tema tratado.



A matéria é riquíssima de meandros e exige cuidado extremo, pois freqüentemente é versada nos tribunais


As negociações preliminares ou as tratativas não podem ter o mesmo tratamento jurídico da oferta, esta com conseqüências fixadas na lei, conforme estabelece os artigos 427 a 435 do Código Civil. A oferta já traz em seu bojo uma manifestação de vontade inequívoca de contratar e, enquanto não revogada, até o momento legalmente permitido, é obrigatória. As negociações preliminares não traduzem uma vontade definitiva de vincular-se ao contrato. As circunstâncias concretas serão importantes para distinguir ambos os fenômenos. A lei dá força vinculativa à proposta. Essa é sua verdadeira natureza jurídica. A frustração da proposta pode gerar um dever de indenizar, dever este que não é contratual, porque contrato não existe. Contudo, ao rompimento da proposta aplicamos princípios legais quando ocorrer frustração, assemelhando-se a uma obrigação, enquanto o rompimento injustificado das negociações preliminares situa-se no plano exclusivo da responsabilidade extracontratual.


Discute-se se a minuta assinada é vinculativa. A questão é exclusivamente de exame do caso concreto. Se apenas uma das partes firmou a minuta, poderá ela ter os efeitos de uma proposta. Se firmada por ambos os contratantes, a questão é de interpretação de sua vontade. Poderá valer como contrato se a lei, ou a vontade das partes, não exigir escritura pública. Por outro lado, se o contrato é apresentado à parte em desacordo com a minuta e mesmo assim concluído, a questão é transferida para os vícios de vontade, podendo ocorrer erro ou dolo.


Os contratos preliminares, por seu lado, que por negócios jurídicos devem ser entendidos, são contratos perfeitos e concluídos. Podem ser bilaterais, quando, por exemplo, as partes se comprometem reciprocamente a cumprir obrigações e a firmar a escritura definitiva de venda e compra de um imóvel. Mas podem ser unilaterais, quando uma só das partes se obriga a contratar. A outra parte, neste caso, fica com a faculdade de exigir a outorga definitiva em certo prazo, como ocorre com a opção. Na opção, o outorgante compromete-se a não revogar a avença, a qual, se violada, o sujeita a perdas e danos. Ocorre uma verdadeira renúncia temporária à revogação da proposta. Cumpre não esquecer que o Código de Defesa do Consumidor assume eficácia muito mais acentuada à proposta. Cuidando-se de contratação em massa, não poderia ser de outra forma. No campo do consumidor, em princípio, não existe uma fase de negociação preliminar, mas uma adesão à oferta.


Toda esta matéria é riquíssima de meandros e nuanças, exigindo cuidado extremo das partes e seus advogados, pois é versada freqüentemente nos tribunais.


Sílvio de Salvo Venosa é advogado, professor, consultor, parecerista e autor de várias obras de direito civi
 
 
 
Fonte: Valor On Line
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